O futebol
é mais uma das invenções que, ao longo da história traçou caminhos inusitados.
Não é à toa que o Brasil é conhecido como o país do futebol. Os brasileiros
fazem por merecer esse título. Não porque exporta para o mundo grandes nomes do
futebol, nem porque é a única seleção a colecionar cinco títulos mundiais.
Pode-se
reconhecer o Brasil do futebol pela paixão que todo cidadão cultiva por esta
prática desde a mais tenra infância. É praticamente impossível encontrar uma
criança, sobretudo do sexo masculino, que não dê os primeiros passos correndo
atrás de uma bola. Os pais, mesmo aqueles que não são fanáticos esportistas,
desde muito cedo presenteiam seus filhos com camisas e uniformes dos times da
moda.
Não há
recanto de cidade ou interior onde não se possa identificar um espaço reservado
para a “pelada” do fim da tarde e do final de semana. Começar uma partida com
meia dúzia de competidores e terminar com mais de duas dezenas também não é
novidade.
Entretanto,
é sabido que no começo não foi assim. O futebol teve sua origem na alta
burguesia inglesa no século 19, espalhou-se rapidamente para as camadas sociais
menos favorecidas e hoje movimenta bilhões de dólares, emoções, negócios e
princípios éticos extraordinários.
Santo
Agostinho, ainda no século IV, fez uma afirmação que se aplica também para a
atualidade: “Mens sana in corpore sano” = “Mente sadia em um corpo sadio”. Neste sentido,
afirma-se que a prática de esportes tem uma função ética de destaque na
formação do caráter, para a preservação da saúde envolvendo a pessoa por
inteiro. Ainda mais importante que esta dimensão de saúde física pode-se
aplicar ao futebol questões relativas à saúde espiritual e de estímulo
para o associativismo, a cooperação e a parceria.
É fato incontestável que a profissionalização do futebol transformou o
mais popular dos esportes numa “máquina de movimentar dinheiro” envolvendo
interesses comerciais muito explícitos. É do conhecimento de todos que a FIFA
vende a copa e que grupos transnacionais se servem desta oportunidade para
promover seu negócio e seus produtos. Nesta trama pouco ética estão envolvidas
marcas, jogadores, empresas, governos, que faturam e investem bilhões transformando
a paixão em fetiche e compulsão para o consumo.
Para a copa da Rússia 2018 a FIFA vai distribuir 400 milhões de dólares
entre as 32 seleções, o Brasil eliminado pela Bélgica receberá 16 milhões de
dólares, cerca de 62,6 milhões de reais. Enquanto isso o Dólar alcança sua mais
alta cotação desde janeiro de 2016, a inflação avança, o gás de cozinha tem
novo aumento pesando cada vez mais no bolso do brasileiro, os casos de hepatite
aumentem em mais de 70%. E poderíamos desfilar uma série de outras situações
que cada vez mais fazem os brasileiros perder o entusiasmo para acompanhar a
profissionalização do esporte mais popular do mundo.
Entretanto, a “paixão nacional” continua pertencendo aos amadores e
torcedores que fazem por amor e com certo sentido de honra. Sendo um esporte de
prevalência masculina o fascínio pela bola transforma os sisudos brasileiros,
pouco afeitos a demonstrações públicas de afeto, em homens de sensibilidade
capazes de trocar afetos publicamente, chorar e sorrir pelas mesmas causas
diante das câmeras de televisão para o mundo inteiro.
Parodiando o hino da copa de 70, se pode escrever: “duzentos milhões em
ação... De repente é aquela corrente pra frente Brasil...” Queira Deus que a
derrota da Seleção Canarinho não faça esmorecer o patriotismo e o desejo de
construir um novo Brasil e que de agora em diante continue sendo desfralda a
Bandeira que fará escolher um time que mais do que levantar taças seja capaz de
reerguer esse País.
O Olé que se gritaria na copa poderá ecoar no sonho por um Brasil mais
justo, sem miséria, menos corrupto e mais democrático, tudo isso sem se deixar
manipular pela mídia e pelas paixões da violência e a cultura do “vamos quebrar
tudo”.