terça-feira, 17 de janeiro de 2012

FRATERNIDADE E SAÚDE PÚBLICA




O tema que a Igreja Católica propõe para a quaresma de 2012 segue na direção do que foram as campanhas da fraternidade desde 1985, isto é, voltada para situações existências do povo brasileiro. Sob esta ótica as campanhas organizadas pela  CNBB, algumas delas em parceria com outras Igrejas Cristãs, dizem respeito à vida de todos os cidadãos independente de religião, credo, ou filosofia de vida. Pode-se dizer que elas tocam no âmago das relações humanas e das relações da humanidade com o transcendente.  Também, por isso, elas ganham uma importância muito maior.
A criatura humana, que se distingue dos outros animais por que possui “polegar indicador e tele-encéfalo altamente desenvolvido” sabe também que sua existência é muito mais complexa  do que a sua forma biológica, genética, fisiológica. Simultâneo às grandes descobertas científicas o ser humano tem consciência que depois da 13ª. partícula, que os estudiosos denominam “bóson de Higgs” e que, não sem razão, foi popularmente batizada de “partícula de Deus”, ainda sobra grandes desafios para se compreender o princípio primeiro que Aristóteles denominou de “motor não movido”.
Neste sentido ganha ainda mais importância o vocábulo Fraternidade, no sentido de “sororidade”, de responsabilidade para com o outro que é “frater” independente dos laços de sangue.  Eis porque o convite à conversão e à fraternidade com um olhar na saúde pública é uma responsabilidade da qual nenhum cidadão brasileiro tem o direito de se furtar.
Não é a primeira vez que uma campanha da fraternidade enfoca as questões da saúde, pelo menos outros três temas trataram especificamente da questão. Em 1981: “Saúde e fraternidade”; em 1984: “Fraternidade e vida”; 2008: “Fraternidade e defesa da vida”. Entretanto no contexto das campanhas dos últimos 20 anos, de algum modo, os temas apontaram a mesma direção.
O texto base de 2012, começa fazendo uma relação entre saúde, doença, salvação e bem-estar e para isso  cita uma definição: “saúde é um processo harmonioso de bem estar físico, psíquico, social e espiritual, e não apenas a ausência de doença, processo que capacita o ser humano a cumprir a missão que Deus lhe destinou, de acordo com a etapa e a condição de vida em que se encontre”(GPS, 2010, nn.6-7).
Isto significa dizer que saúde não é o estado daquele que não está doente, mas é o estado daquele experimenta a sensação de bem-estar, neste sentido,  o tema tem uma estreita relação com a educação, trabalho, remuneração, promoção das igualdades, do meio ambiente, da sustentabilidade, etc. Em outras palavras ser fraterno no que diz respeito às questões de saúde implica no exercício da caridade que impulsionou Jesus de Nazaré, cuja ação foi sempre voltada para o bem estar de todos por onde andava.
Assim a fraternidade ganha um componente ainda não claramente compreendido e que se denomina princípio da subsidariedade, ou seja da cooperação construtiva, razão pela qual todas as instituições precisam dar sua parcela de participação e o estado por sua vez permitir que esta cooperação lhe seja útil naquilo que é sua responsabilidade: garantir o acesso universal ao bem estar de toda a população. A subsidariedade de que fala a CF 2012 aponta para a colaboração de todos na implementação das políticas de saúde e do seu efetivo controle social.
As palavras dos Bispos do Brasil, como um apelo para a Igreja, podem ser entendidas como missão e tarefa de todos os cidadãos, quando afirmam:
“A Igreja no Brasil sabe que ‘nossos povos não querem andar pelas sombras da morte. Têm sede de vida e felicidade em Cristo’. Por isso proclama com vigor que ‘as condições de vida de muito abandonados, excluídos e ignorados em sua miséria e dor, contradizem o projeto do Pai e desafiam os discípulos missionários a maior compromisso a favor da cultura da vida”. (DGAE n.66)
Esta expressão dos bispos pode ser sintetizada na célebre frase do saudoso Ulisses Guimarães quando em 1988, ao promulgar a constituição brasileira, proclamou: “Mais miserável do que a miserabilidade é uma sociedade que não consegue acaba com ela”, e que o atual governo adota como seu slogan: “Pais Rico é País sem Pobreza”.  De algum modo estas três afirmações apontam para a fraternidade na sua relação com a saúde entendida como “bem estar”.
A campanha da fraternidade encontra sua sustentação desde a ótica sociológica nas oito (8) metas que a ONU, em 1990, estabeleceu para o milênio:
a)    Reduzir pela metade o número de pessoas que vivem na miséria e passam fome;
b)    Educação básica de qualidade para todos;
c)    Igualdade entre os sexos e mais autonomia para as mulheres;
d)    Redução da mortalidade infantil;
e)    Melhoria da saúde materna;
f)    Combate a epidemias e doenças;
g)    Garantia da sustentabilidade ambiental;
h)    Estabelecer parcerias mundiais para o desenvolvimento.
O texto base grifa as metas D,E,F e G em estreita sintonia com o tema desta campanha,  cita também  dados da revista THE LANCET, que aponta o Brasil como um dos países  em que a mortalidade infantil teve maior redução nos últimos anos. Esta revista atribui este mérito ao SUS, todavia não pode ser olvidado o trabalho pioneiro e consistente da Pastoral da Criança. As metas, D, E, e F, são bases de todo o trabalho dos voluntários da Pastoral da Criança praticamente desde a sua fundação, não sem razão em todos eles nota-se avanço significativo.
O  sétimo objetivo (G) sustentabilidade ambiental, ainda parece ser o que mais exige um comprometimento por parte das instituições e da própria Igreja, e porque não dizer de todos os cidadãos. A sociedade vive um paradoxo em relação a esta questão que não foi  absorvida pela consciência coletiva. Ou seja, ao mesmo tempo em que muito mais gente tem acesso às tecnologias de ponta, celulares de última geração, carros de último modelo, mais de um carro por família, substituição freqüente de eletro-eletrônicos, não se dá conta que esta desenfreada corrida consumista é ao mesmo tempo um agravante no que se refere à saúde e ao bem estar do ser humano na atualidade e causa um grave comprometimento da vida futura no planeta.
O atual panorama da saúde no Brasil dispensa outros comentários e considerações, embora o texto base faça uma boa explanação, mas no que se refere propriamente à fraternidade  a saúde não se pode deixar de ter em conta que o Brasil é um dos poucos países do mundo que mantém um programa universal de saúde, não obstante seus limites e fragilidades. Do ponto de vista da caridade operativa, como se tem  denominado a atitude de Jesus de Nazaré, é importante ter em conta que o atual sistema de saúde peca ainda por não colocar ao alcance de todos os cidadãos os avanços, tecnologias, e conhecimentos que a  ciência medica já tem disponível no  Brasil.
Interiorizar, a saúde pública, os recursos, os profissionais de saúde, naturalmente com a correspondente valorização de todos é um desafio que o poder público precisa aceitar como subsidariedade das instituições e da iniciativa privada e neste sentido se torna uma questão de fraternidade e promoção da vida como tarefa de todos os cidadãos.
Outras grandes preocupações relativas à saúde pública são apresentadas pelo texto base da CF 2012 em seis áreas que se caracterizam como necessitadas de cuidados urgentes:
a)    Doenças não transmissíveis;
b)    Doenças Transmissíveis;
c)    Fatores de Risco modificáveis;
d)    Dependência Química;
e)    Causas externas;
f)    Saúde bucal.
Não fogem da preocupação da CF 2012 os números do atual sistema de saúde, dando particular importância para o empenho e acompanhamento da chamada PEC 29, que quando o texto base da CF teve sua redação final, ainda não estava aprovada. Neste sentido há que se considerar um avanço no que se refere a determinantes sociais na saúde, sobretudo, em relação ao financiamento sem a criação de um novo imposto.
A PEC 29 ao definir as despesas que integram e não integram os serviços públicos de saúde aponta para  a possibilidade de mais amplo acesso aos recursos da saúde que é um dos princípios constitutivos do SUS .

QUE A SAÚDE SE DIFUNDA SOBRE A TERRA (Eclo. 38,8)
Servindo-se da sabedoria popular o livro do Eclesiástico aponta para uma atitude de responsabilidade e resistência às formas de não valorização da auto-estima  e sabedoria popular. Dentre todos os tópicos apontados no texto base para justificar a escolha deste lema, preferimos nos ater ao que se chama “paradigma do cuidado”.  Tal condição é aplicável a todos os que se dedicam ao serviço de promoção da vida sejam eles profissionais do campo da saúde, do sistema político de gerenciamento, daqueles que se empenham a educação, na assistência social, e na preservação e sustentabilidade do planeta.
A ninguém é dado o direito de ficar inerte diante de alguém que necessita de acolhimento, de cuidado e de proteção. É neste sentido que a Parábola do bom Samaritano (narrada no evangelho de Lucas capítulo 21)  é aplicável a todos os que se reconhecem “irmãos”  não obstante as diferenças  e  motivações sociológicas que redundam em tal condição. As palavras do Beato João Paulo II, citadas no texto base, são suficientes para compreender o alcance sociológico do que significa este paradigma:
“Esta parábola, em si mesma, exprime uma verdade profundamente cristã e, ao mesmo tempo, muitíssimo humana universalmente. Não é sem motivo que até na linguagem corrente se designa  obra de bom samaritano qualquer atividade em favor dos homens que sofrem ou precisam de ajuda” (SD, n. 29).
Para os cristãos, particularmente católicos, participar da liturgia da Igreja e não se deixar “enxarcar” pelo comprometimento com o sofrimento alheio se constitui numa falsa religiosidade e numa oração que pode ser caracterizada como carente de espiritualidade e desprovida de mística.  Sob a ótica do cuidado específico com os doentes e sofredores a Igreja, e todos os seus membros, é chamada a fazer aquilo que inspira o sacramento da Unção dos enfermos:
“A unção dos enfermos não é um sacramento pontual e isolado, que se celebra de forma quase mágica, numa UTI, a um moribundo totalmente inconsciente. Pelo contrario, é um sacramento eclesial que, além de comprometer toda a Igreja, é também o ápice de um processo em favor e a serviço dos irmãos enfermos de uma comunidade. Faz parte do ministério de cura que atualiza e significa a presença do Reino no hoje das pessoas” (Texto Base 2012, n.215).
Certamente à medida que esta compreensão do sacramento da unção for mais clarificada na dinâmica da evangelização e da pastoral, aos poucos, a Igreja adotará uma nova postura em relação a este sacramento no que se refere à sua dimensão de promoção da vida.

TRANSFORMAR-SE PARA TRANSFORMAR

O que em outras edições da CF se chamava Agir, nesta campanha se adota a expressão indicações para a ação transformadora. Obviamente que para que existam ações transformadoras há que se transformar primeiro as pessoas. Vale aqui o provérbio popular: “O mundo muda se nós mudamos”. Reconhecer-se irmão de todos é muito mais do que professar a mesma fé, freqüentar a mesma Igreja, fazer juntos as mesmas orações.
Compreender-se membro desta comunidade “sororal” implica atitudes de comprometimento:
a)    Pela construção de uma sociedade solidária;
b)    Pela dimensão comunitária;
c)    Pela dimensão político institucional.
Todos e cada um precisam desenvolver o conceito de viver e morrer com dignidade. Tal conceito aparece na citação:
“A missão de ser testemunhas do amor de Deus através da proximidade, do diálogo, da oração, do acompanhamento e exercício da caridade é a de todo batizado e, de maneira especial, dos que professam o carisma da misericórdia” (Texto Base CF 2012, n. 248).
A guisa de conclusão é necessário afirmar que fazer a experiência da fraternidade em relação à saúde consiste na capacidade de unir todos os seres humanos, mesmo que estes não percorram os mesmos caminhos, mas sejam capazes de se reconhecer filhos do mesmo Pai, ou tendo origem se assim se preferir na chamada “Partícula de Deus”.
Na perspectiva da utopia da construção do Reinado de Deus também por meio de um adequado funcionamento dos programas públicos de saúde, que no texto base se lê: “Em nossas terras o SUS tem que funcionar muito bem e devemos colaborar nesta direção” (Texto Base CF 2012, n. 257).
Por isso mesmo como indicação transformadora que a CF sugere pede que se organize, ou reorganize a Pastoral da Saúde levando em conta três dimensões:
a)    Solidária;
b)    Comunitária;
c)    Político institucional.
Do ponto de vista da solidariedade sugere-se uma presença junto ao enfermo em seu leito de dor, atitude típica de Jesus de Nazaré e expressa na parábola do Bom Samaritano. Sob a ótica comunitária aparece o indicativo para um trabalho educativo e preventivo em relação às enfermidades comuns e à valorização da sabedoria popular. Na dimensão política a Pastoral da Saúde precisa desenvolver um trabalho de conscientização dos direitos e deveres, com uma adequada aproximação com as instituições de ensino e saúde. Neste particular um indicativo interessante será o conhecimento da cartilha publicada pelo Tribunal de Contas da União, com o título:  “Orientações para conselheiros de Saúde”, na página 15 desta cartilha se lê: "Sabemos que a participação popular é difícil, mas a construção de uma sociedade melhor, mais justa e democrática se faz com a participação de todos. É por isso que o controle social deve ser incentivado e vivido no dia a dia, como exemplo de cidadania para a comunidade".
As indicações em relação à morte com dignidade, à formação dos agentes da Pastoral da Saúde, à Cooperação com o Sistema Público de Saúde, a integração da família no plano da saúde preventiva, o estabelecimento de canais de efetiva participação nas entidades representativas, dentre elas, os Conselhos Municipais da saúde e de modo imediato o acesso e atendimento dos doentes da rede pública de saúde, na gestão do sistema de saúde pública, e o financiamento e correta aplicação dos recursos destinados à saúde.
Certamente, se pelo menos algumas destas ações forem assumidas com coerência pela Igreja não faltarão resultados positivos e sinais evidentes de conversão, os quais serão testemunhas da conversão que a penitência, o jejum, a oração e a esmola, gesto típicos a quaresma, podem realizar na vida dos fiéis e de toda a sociedade em geral.

ABREVIATURAS E SIGLAS
CF – Campanha da Fraternidade.
CNBB -  Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.
DGAE – Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora.
GPS – Guia Para a Pastoral da Saúde na América Latina e no Caribe.
ONU – Organização das Nações Unidas
PEC 29 – Proposta de Emenda Constitucional.
SD – Carta Apostólica Salviciti Doloris.
SUS – Sistema Único de Saúde.

Texto elaborado pelo Padre Elcio Alberton a partir do Texto Base da CF 2012.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

2011 – O ANO QUE NÃO TERMINOU


O encerramento do ano letivo de 2011 em muitas escolas catarinenses foi estendido até o inicio de janeiro de 2012. As dificuldades na adoção deste calendário de reposição por conta da greve dispensam comentários. O fato é que uma das propostas da categoria no encerramento do movimento reinvindicatório, em 07 de julho de 2011, depois de 62 dias de paralisação, pedia autonomia das escolas para elaborar o calendário de reposição, conforme se lê no site do SINTE:

  •  “A assembleia deliberou também as escolas devem ter autonomia para a elaboração do calendário de reposição das aulas, a fim de evitar prejuízo do conteúdo escolar ao aluno. A assembleia estadual da categoria reuniu cerca de 4 mil pessoas, no Centro de Convenções Centro Sul, de Florianópolis” (http://www.sinte-sc.org.br/?FamilyID=SinteAcao&ler=1872011182317 acesso em 11/01/2012). 

Certo ou errado, o fato é que esta condição não aconteceu, pelo menos não, em relação aos professores da Escola de Educação Básica Adelina Régis em Videira – SC.Por esta e outras razões convido os colegas professores para uma reflexão no inicio de 2012, e permitam-me parafrasear Marcelo Rubens Paiva, autor da sua própria biografia num livro publicado em 1982 e intitulado “Feliz Ano Velho”. Na obra o autor, apesar da sua condição é capaz de vibrar e cultivar humor, ternura e erotismo. 

O desafio à docência no início de cada ano, e particularmente em 2012, consiste exatamente nisso, não perder a coragem de se apaixonar pela causa, não obstante as agruras que as circunstâncias oferecem. Afinal de contas o que motiva a docência, desde muito tempo é a paixão, a ternura, e outras virtudes: 

  • Raras vezes fica claro como a educação poderia encaminhar os estudantes para a generosidade e a verdade e afastá-los do pecado e do erro, embora seja difícil não consentir passivamente com essa noção inspiradora, dada sua familiaridade e absoluta beleza (BOTTON, 2011, p. 86).

Neste sentido convido cada docente e renovar o entusiasmo pela educação e abraçar, mais uma vez, com toda a força a vocação para a docência.  Afinal de contas bons professores não são necessariamente aqueles que dominam todas as ciências, ou com profundidade a ciência que se propõem a ensinar, mas aqueles que se tornam presença importante na vida dos seus alunos. Dentre tudo o  que se apresenta como importante para o “bom o professor”, é importante destacar a inter-relação entre a vida profissional e a pessoal. Dito de outra forma quando a vida e a profissão se encontram, quando os professores não vivem da docência, mas para a docência, destes se diz que são professores que amam a docência e dela fazem uma arte ou a experimentam como vocação.  É neste sentido que: 

  •  Amar-se-á um professor que souber – por exemplo, em história – apoiar-se em elementos precisos, minuciosos, severos, rigorosos, cientificamente estabelecidos, mas também mostrar aos alunos os fatos fundamentais, os aspectos gerais, uma síntese que englobe os pormenores e abranja as questões levantadas pelos alunos; evocar os grandes problemas da história, isto é, em última análise, as lutas e as trocas entre as diferentes formas de civilização (SNYDERS 1995, P. 111).

E que embora 2011 não tenha terminado, é possível ainda vibrar e dizer: “Feliz Ano Velho”. Os desafios de 2012 serão muito maiores, mas com determinação  a coragem de cada docente será possível construir um mundo onde seja “mais fácil de amar”. Para que isso supere a utopia é importante recordar Luther King: “Ou nos damos as mãos ou morremos todos como idiotas”.