segunda-feira, 11 de agosto de 2014

ENSINO MÉDIO PARA TODOS PÚBLICO, GRATUITO E DE QUALIDADE

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O programa de fortalecimento do Ensino Médio, (SISMÉDIO), que entre outras iniciativas prevê um curso de formação continuada para professores, aos quais oferece ajuda de custo na forma de bolsa, põe a mão na ferida de um sempre novo problema para o ensino no Brasil.

A problemática da formação integral, que não se confunde com a educação em tempo integral, vem muito antes que todas as formas de educação já experimentadas neste país.

O Caderno I da primeira etapa do Pacto Nacional pelo fortalecimento do Ensino Médio, está organizado em 4 sessões e permite fazer um panorama geral dessa modalidade de educação ao longo da história  apontando também os desafios que ainda permanecem na atualidade.

Na primeira unidade em que apresenta o balanço histórico institucional do ensino no Brasil pode-se notar  as seguintes etapas.

    1)     Do Império até o período de Vargas (1945) foi chamado como ensino secundário os anos de estudo compreendido entre 11 e 15 anos. Com oferta pública insignificante, salvo os alunos que passavam pelo Colégio Pedro II no Rio de Janeiro que teve sua origem com a vinda da família real para o Brasil. De qualquer modo  é fato que durante todos estes anos a educação se consagrava como totalmente excludente e favorecedora das elites econômicas que dominavam o cenário nacional. Tal situação se confirmava pelos distintos exames de conclusão de cada etapa os quais aos poucos foram se constituindo em exames de seleção para a etapa seguinte.

   2)     Com a chegada de Vargas ao poder passa a se entender o ensino médio destinado a formação do homem para os setores da atividade nacional. Dito de outro modo, sua finalidade passa a ser profissionalizante, com vistas a atender a demanda da crescente industrialização que começava a tomar corpo no País.

  3)     Os exames de seleção garantiam a condição seletiva desta etapa do ensino. Os anos iniciais de escolarização eram destinados a alfabetização  e os demais a profissionalização. Não se pode esquecer que nesta época a escola secundária estava na mão da iniciativa privada.  Dos 629 estabelecimentos de ensino secundário 530 eram particulares. Das 99 escolas públicas  43 estavam em São Paulo. Nota-se mais uma vez que se não bastasse o caráter seletivo o ensino estava centrado em poucos núcleos o que dificultava ainda mais a frequência dos alunos pobres e residentes nas regiões interioranas do país.

   4)      Foi a LDB de 1961 que estabeleceu a equivalência dos cursos técnicos para ingresso nos cursos superiores. Mas ainda entendidos como a formação dos alunos com idade entre 12 e 15 anos.  A obrigatoriedade só era critério para as primeiras 4 séries, dos 7 aos 11 anos.  Só em 1971 que a LDB 5692 criou o ensino de primeiro grau de oito anos e o segundo grau de três anos. A LDB fundiu o ensino primário ao primeiro ciclo do ensino secundário  chamado até aí de colegial. Neste  caso, profissionalizante mais uma vez  visando formar profissionais para o mercado de trabalho. Os cursos técnicos tinham por finalidade garantir formação básica para os alunos que não teriam condições de cursar o ensino superior.

  5)   Esta modalidade de ensino médio foi  marcada pelo empobrecimento da formação humana sendo apenas uma preparação para o trabalho. Mais uma vez o ensino médio não foi além das elites.

   6)     Só neste período se tornou obrigatório o ensino de oito anos, porém sem mecanismos para fiscalizar a sua execução, durante toda a vigência da lei, na prática a frequência não foi além dos primeiros quatro anos destinados à alfabetização. Mesmo nas séries continua a dualidade e o desafio de permanência nos bancos escolares das classes menos favorecidas.

    7)     Só a constituição de 1088, gênese da LDB de 1996 tentou reparar o equívoco cometido até aqui.  A LDB de 1996 reorganizou a educação em dois níveis: Educação básica, e ensino superior. A educação básica compreende Educação Infantil,(4 a 5 anos) Ensino Fundamental (6 a 14) Ensino médio (15 a 17). Recentemente se tem a obrigatoriedade dos pais e do estado de garantir que todos nesta idade estejam nos bancos escolares.

   8)     O ensino médio continua sendo o gargalo da exclusão da educação. Ao mesmo tempo em que crescem as matrículas, aumenta a repetência e evasão.

i  9)       Um dos problemas e talvez o mais grave é a compreensão de entrada no mundo do trabalho que se encarrega de levar o jovem para fora da escola. Só mudanças estruturais farão esse País modificar esta  realidade.

POR UM ENSINO MÉDIO DE QUALIDADE

Temos hoje pelo menos três tipos de jovens estudantes no ensino médio. Aqueles que frequentam as escolas particulares cuja finalidade é a preparação para a universidade (Número cada vez mais reduzido). Os alunos das Escolas Técnicas Federais e um grande grupo nas escolas estaduais, quase sempre niveladas para menos:   (nota 2 Infraestrutura física das escolas, carreira e remuneração dos docentes, custo aluno-ano dentre outras.) Nesta escola carece a identidade do ensino médio, que nem prepara para a cidadania como sujeito crítico, nem com a finalidade propedêutica. Embora as diretrizes curriculares nacionais prevejam educação para todos em vista da formação integral, esta realidade está longe de acontecer.

Há que se constituir um  Sistema Nacional de Educação que viabilize  a colaboração entre os vários entes com mais sucesso e menor desperdício de recursos públicos.

Há que se construir uma escola capaz de eliminar a barreira estabelecida por essa sociedade contraditória. A escola precisa ir além de formar para o trabalho, ou para a universidade, mas formar para a cidadania. As diretrizes curriculares nacionais apontam para a necessidade que o  jovem ao concluir o ensino médio  seja um cidadão capaz de transformar e agir de forma crítica na sociedade onde está inserido.

O relatório Delors propõe quatro pilares para a educação no século XXI:
Os quatro pilares da educação apontados neste relatório, acrescido do quinto, que se trata do saber cuidar sob a ótica da  espiritualidade são indispensáveis para a educação que se quer.
1-                 Aprender a conhecer (estamos até indo bem);
2-                 Aprender a ser ( quem é cada um desses alunos que chega à escola);
3-                 Aprender a conviver (que pensam que conflito se resolve no tapa ou no grito); Têm implicações filosóficas com quem eu tenho que dialogar.
4-                 Aprender a fazer (Jhon Dewei – a pedagogia pelo trabalho e não somente para o trabalho). De uma pedagogia que irá converter a escola em comunidade em que as tarefas são compartilhadas. Alguém virá limpar o lixo. Isso implica em organizar as tarefas a divisão delas no cotidiano da escola.
Jean Freinet – A escola é um espaço aonde se vai construindo a perspectiva de país.
5 – Aprender a cuidar - (Leonardo Boff – Visão de espiritualidade que transcende as religiões)

OUTROS DESAFIOS

A qualidade da educação  está associada a compreensão de que é necessário a construção de uma sociedade com oportunidades iguais para todos. Será necessário lutar pela retirada dos jovens do mercado de trabalho até a conclusão do ensino médio. Ainda que para isso seja necessário novos programas de transferência de renda.
Há que se atender às metas do Plano Nacional de Educação - PNE 
     1)    Universalizar o ensino médio  para os jovens até 17 anos;
     2)   Universalizar o ensino inclusivo para todos os portadores de necessidades especiais;
     3) Garantir a oferta de educação em tempo integral;

Nosso grande desafio é trazer o jovem para a escola e fazer com que ele permaneça nela, concluindo com sucesso o ensino médio. Para isso os estados precisam melhorar as condições de trabalho e das escolas, bem como a formação continuada dos docentes.

Por sua parte o dever da escola é garantir que o aluno permaneça nela e para isso deverá garantir formas que garantam a permanência do jovem na instituição. Tudo o que for feito na escola precisa ter este foco.

Esta meta implica em compreender que o papel da comunidade escolar consiste antes de tudo que ela seja efetivamente um ambiente de inclusão. Dentre as iniciativas indispensáveis estão a melhoria de condições de trabalho, valorização dos profissionais da educação ações de manutenção e promoção de equipamentos escolares e construção de novas escolas.

Por sua vez as escolas são desafiadas a garantir aprendizagem de qualidade por meio de um adequado PPP capaz de melhorar as estratégias e  garantir a aprendizagem do grupo. A título de  conclusão: metade da população entre 15 e 17 anos não frequenta o ensino médio e 34% ainda é repetente ou com ingresso tardio.

O maior desafio para a sociedade é universalizar o ensino médio, o que só será feito com a correção das gritantes diferenças sociais que ainda persistem. O número significativo daqueles que  não frequentam o ensino médio, o fazem tendo como pretexto a entrada no mercado de trabalho.

Por sua vez para a escola o maior desafio é garantir que o aluno permaneça na escola e conclua com qualidade o ensino médio. Todas as ações e atividades na escola precisam ter como meta a permanência do aluno na escola e nunca a sua exclusão, ainda que seja a transferência para outra rede ou outra unidade.





sábado, 9 de agosto de 2014

O OVO OU A GALINHA? UMA UTOPIA POSSÍVEL!

DA ESCOLA QUE TEMOS PARA A ESCOLA QUE QUEREMOS

As considerações que o professor Juarez Thiessen procurou condensar no final da fala da Prof.ª Jaqueline Moll, por ocasião da 4ª Web Conferência no processo de atualização da proposta curricular de Santa Catarina, foram, por assim dizer, uma contemporização daquilo que se tem e onde se poderá chegar com o sonho de uma escola possível.
Entretanto toda a fala da conferencista foi provocativa, ao mesmo tempo não apontou alternativas que signifiquem viabilidade  em curto prazo. Não sem argumentos ela insistia sempre em médio prazo, em responsabilidade de mais de um governo e assim por diante.
Com todo o respeito pelas considerações, cujos pontos que me pareceram importantes vou comentar a seguir a fala que parece colocar a escola, os educadores e os responsáveis pela educação às voltas com uma pergunta clássica: “O ovo ou a galinha”?  Trata-se de uma Utopia possível, mas seria muito interessante pelo menos algum indicativo de por onde começar.
Para efeito didático vou organizar meu comentário em tópicos.
1)                 Considerações Iniciais
A professora tem uma posição clara e coerente afirmando que está acabando o tempo em que a educação é pensada por alguns e executada por outros. Sem conhecer a realidade catarinense fez alguns acenos que foram pertinentes. Diversos outros pontos poderiam ser ainda elencados destacando o caráter democrático e participativo que se está estabelecendo em Santa Catarina.  Permitam-me, sem ser ufanista, dizer que o processo de Atualização da Proposta Curricular, que conta com a participação de, pelo menos, parte da  comunidade escolar foi iniciativa importante e de destaque. Entendo isso como um bom uso das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação.
Outro ponto importante acenado pela Professora diz respeito aos comparativos que fartamente se faz em relação à condição da nossa educação com os países desenvolvidos. As observações são oportunas e pertinentes. O Brasil tem maior número de matrículas que a população inteira de alguns países centenários na organização dos seus sistemas educacionais. Some-se a isso o fato de só recentemente o País estar tateando um sistema de ensino com reais possibilidades de acesso para todos.
Concordo em gênero, número e grau que se trata de um sonho impossível a universalização do ensino superior e que se trata de um equívoco focar o ensino médio na  preparação dos nossos jovens para o ENEM ou para o Vestibular e pior que isso ainda está focado na nota, como elemento indispensável no processo dando pouca ênfase para a aprendizagem que faz a diferença.
A oferta de cursos técnicos é com certeza uma alternativa para a parcela da população que não tem interesse na continuidade dos estudos, porém, estamos de fato correndo o risco de transformar essa etapa, num adestramento para o trabalho.
Embora a Prof.ª Jaqueline não tenha acenado, entendo que ela se referia a necessidade de que os cursos técnicos fossem todos de nível pós-médio e eu diria, que tal acontecer também um pós-médio, como uma espécie de pré-requisito,  para alunos que depois vão entrar nos cursos superiores. Algo como são as escolas europeias, e aí sim viria o momento do aprendizado de uma segunda língua e outras especificidades para entrar no campo da pesquisa que seria próprio do curso superior.
2)                 Apontando Caminhos
O ensino médio precisa garantir a apropriação de saberes que façam diferença na vida dos  jovens e isso implica em compreender o meio termo entre cultura da reprovação que se constitui na pura e simples repetência. Alias “repetente” era o termo utilizado pela legislação 4024 dos anos 1960. Infelizmente quanto se fala em não reprovar a primeira imagem que salta aos olhos é “aprovação automática”. No cotidiano do processo de aprendizagem ainda se vai facilmente “do mar ao pantanal”
Pior que a cultura da repetência é a falta de compreensão de que está entrando em nossas escolas uma “nova classe  C”, que na fala da professora se identifica aos filhos das famílias beneficiadas pelos programas sociais do governo. Sem contestar os números acho que esta nova classe é resultado maior ainda do que isso e que, infelizmente, a escola está recebendo, porém os mantém na condição de alunos problemas, bulinados,  e incluídos, desde que se mantenham à parte.
É recente a possibilidade dos filhos dos pobres ter mais escolaridade que seus pais, mas a nossa escola ainda está longe de garantir que este aluno “diferente” chegue e permaneça. O processo de democratização vai, lentamente, fazendo acontecer  a democracia sob o ponto de vista de dar a todos o mesmo ponto de partida. Trabalhar  o conflito que o aluno vive fora da escola no espaço escolar é um desafio, para este momento,  longe de ser possível.
3)                 Recuperação histórica
Citar os educadores, Anísio Teixeira, John Dewei, Jacques Delors, Paulo Freire, Jean Freinet, Leonardo Boff, mostrou o conhecimento e a clareza da opção pedagógica da professora Jaqueline.
A aplicação, na atualidade, de alguns sonhos que se levantaram na primeira metade do século XX e no final do segundo milênio aponta para um amadurecimento da educação neste País.
4)                 A escola que queremos
A insistência na escola em tempo integral, com a clara distinção entre formação integral, educação integral e educação em tempo integral, vem de encontro com um dos desafios mais urgentes para o Brasil que queremos. Permanecer na escola e que ela seja “atrativa”, por mais tempo é uma condição “sine qua” não haverá um aprendizado de qualidade. Este é o “calcanhar de Aquiles” que os países ocupantes de posição de topo na educação já resolveram há muito tempo. Entendo que o Plano Nacional de Educação fará acontecer isso, independente de qual teoria de governo  seja o executor.
Nossas escolas estão longe de compreender o que são parcerias e a professora citou como exemplo a biblioteca. Pensemos que cada uma de nossas escolas tem relativo acervo bibliográfico, raramente uma delas tem bibliotecário, quando muito um professor que atende a biblioteca. No projeto do Ensino Médio Inovador está previsto o professor orientador de leitura, e que em muitos casos trata-se de um professor que recebeu pouca ou nenhuma preparação para esta função indispensável na escola. As aulas de leitura, como de resto todas as demais, que continuam sendo em salas de aula continuam sendo de 45 minutos e o professor é “mascate de conteúdos”, que de sala em sala vai dando conta de cumprir o conteúdo mínimo que o livro didático sugere para aquela etapa.
Nossas escolas são feias, mal cuidadas, do alicerce ao acabamento, não convidam à apreciação. Mesmo escolas recentemente construídas deixam a desejar neste quesito. As mais antigas então se comparam aos “cortiços” dado o número de “puxadinhos” que foram sendo construídos ao longo do tempo.
Como pensar num professor que conheça seus alunos enquanto peregrina em 15 turmas, não raro em três escolas diferentes, que quando não estão em espaço geográfico diferente  é uma escola no matutino, outra no vespertino e uma terceira noturna.
Os afastamentos até que são poucos se considerar a loucura de ser professor neste contexto. Como garantir que o professor possa colaborar com o aluno para uma compreensão de mundo onde ele seja sujeito com professores e uma escola que precisa ser ainda professor-Centrica.
Que a escola é um lugar da reclusão é um fato inegável, o uso de recursos tecnológicos, mesas coletivas, trabalho produzido socialmente tudo isso só é possível numa escola que desenvolva projetos com professores preparados para esta nova maneira de fazer educação. Como se pode esperar leitura de um professor que precisa preparar aulas para 15 turmas, de duas disciplinas distintas, em três escolas diferentes e que ainda precisa corrigir as provas de todos os alunos. Concluindo a professora foi muito feliz na afirmação que formação integral só se faz com maior permanência na escola, a qual ela qualificou como escola de turno único.
5 - Relatório Delors
Os quatro pilares da educação apontados neste relatório, acrescido do quinto, que se trata do saber cuidar sob a ótica da  espiritualidade são indispensáveis para a educação que se quer.
1-                 Aprender a conhecer (estamos até indo bem);
2-                 Aprender a ser ( quem é cada um desses alunos que chega à escola);
3-                 Aprender a conviver (que pensam que conflito se resolve no tapa ou no grito); Têm implicações filosóficas com quem eu tenho que dialogar.
4-                 Aprender a fazer (Jhon Dewei – a pedagogia pelo trabalho e não somente para o trabalho). De uma pedagogia que irá converter a escola em comunidade em que as tarefas são compartilhadas. Alguém virá limpar o lixo. Isso implica em organizar as tarefas a divisão delas no cotidiano da escola.
Jean Freinet – A escola é um espaço aonde se vai construindo a perspectiva de país.
5 – Aprender a cuidar - (Leonardo Boff – Visão de espiritualidade que transcende as religiões)
6 -  Grandes elementos para a formação  integral e para o tempo integral
A)                Currículo – marca toda a vivência escolar; superar a oposição de turno versos contra turnos;
B)                 Carreira docente – professores de tempo integral;
C)                 Formação para a escola de tempo integral – não há ainda isso nas licenciaturas – é preciso pensar em projeto de escola;
D)                Infraestrutura – não temos uma escola preparada para o dia inteiro. (número 80 do “Em aberto” do INEP).
E)                 Gestão – administrar uma escola de tempo integral é menos complicado do que uma escola de turnos.

7- Considerações finais
A questão da distribuição desigual do conhecimento e de acesso a ele, os mecanismos de recuperação que ainda estão longe de ser processuais, dar ouvidos aos nossos alunos, eliminar o preconceito geracional, ser capaz de dialogar com a revolução tecnológica em curso, diminuir a escola professor-centrica, entender o uniforme como identificação e não como uniformização, inscrever-se para pedir a palavra, mesas coletivas, e professor que vai ao aluno, garantir que os conteúdos sejam trabalhados desde a ótica prevista pela base nacional comum, são condições de “estranhamento” ainda longe da realidade, que, no entanto é preciso perseguir de modo obcecado.
Para concluir faço minhas as palavras do escritor gaúcho Érico Veríssimo, citado pela professora Jaqueline Moll, na 4ª Web Conferência durante o processo de atualização da proposta curricular de Santa Catarina:
“Desde que adulto, comecei a escrever romances, tem me animado até hoje a ideia de que o menos que um escritor pode fazer, numa época de atrocidades e injustiças como a nossa, é acender a sua lâmpada, fazer luz à realidade do seu mundo, evitando que sobre ele caia a escuridão, propícia aos ladrões, aos assassinos e aos tiranos. Sim, segurar a sua lâmpada a despeito da náusea e do horror.
Se não tivermos uma lâmpada acesa, acendamos ao menos um toco de vela, ou em último caso, risquemos fósforos repetidamente como sinal de que não desertamos do nosso posto”.
A metáfora de “acender fósforos sem desertar do posto” é o desafio de fazer uma escola diferente para um tempo diferente e uma sociedade diferente.




terça-feira, 5 de agosto de 2014

MATÉRIA DE FILOSOFIA PARA O TERCEIRO BIMESTRE 2014

ESCOLA DE EDUCAÇÃO BÁSICA PROFESSORA ADELINA RÉGIS
DIRETORA GERAL: Profª. Marizete Nesi Possenti
ASSESSORES DE DIREÇÃO:  Ivonei Dambrós e Raquel Francio
ARTICULADOR TÉCNICO PEDAGOGICO: Leonilda Dorneles
PROFESSORES: Elcio Alberton
DISCIPLINA: Filosofia  - Ano Letivo 2014 – 3º BIMESTRE
O QUE É POSSÍVEL CONHECER...?
A palavra “conhecimento” significa a possiblidade que o ser humano tem apropriar-se intelectualmente de um objeto. A Origem da palavra está na língua latina: COGNOSCERE.  Diante desta derivação afirmar que alguém conhece alguma coisa significa dizer a pessoa estabeleceu uma relação entre sujeito e objeto, neste caso, o segundo é apropriado pelo primeiro. O produto, ou resultado do conhecimento se denomina também com o termo sabedoria acumulada por uma determinada cultura ou tradição.
Um dos modos mais elementares do conhecimento se chama intuição, que em filosofia se denomina conhecimento imediato, primeira impressão e quase sempre impossível ser provado. Depois desta primeira possibilidade a filosofia permite desenvolver o conhecimento discursivo, o qual,  como a palavra já afirma, pode ser provado e exemplificado por meio de argumentos e fatos.
Atividade:
Quando  verbalizada a expressão “2” o sujeito faz uma primeira imagem intuitiva. Faça um desenho representando esta forma de conhecer.
Pensando agora num conhecimento discursivo desenhe um conjunto de qualquer coisa e explique de forma discursiva.

CETICISMO
A palavra cético se aplica à pessoa que duvida de tudo, muitas vezes classificado como um descrente, ou aquele que precisa “ver para crer”. Define-se ainda como cético alguém que é desconfiado pessimista e descrente.
A expressão grega SKÉPSIS  significa investigação, questionamento. Diz-se com muita frequência que o cético, depois de examinar todas as possibilidades conclui pela impossibilidade de conhecer qualquer coisa.
A pessoa que se deixa guiar pelo ceticismo, admite uma forma muito limitada de conhecer a verdade. Ao contrário a expressão dogmático se aplica ao sujeito que tem pensamentos autoritários, decisivos, que não admite ser contrariado. As ideias e pensamentos do dogmático são quase sempre impositivas.
Destas duas palavras surgem os termos dogmatismo e ceticismo. Para efeito de estudo, nas ciências humanas, interessa o significado de ambas as expressões e sua aplicação no pensamento filosófico desde a sua origem.
As primeiras variações sobre a impossibilidade de conhecer tem origem no século IV antes de Cristo com o filósofo Górgias, o qual desenvolveu três teses:
a)    O SER não existe;
b)    Se existe qualquer coisa ela é impossível de ser conhecida;
c)    Se por acaso fosse possível conhecer, tal condição seria impossível comunica-la para outros;
A primeira aplicação da palavra ceticismo com interpretação filosófica foi feita pelo filósofo grego Pirro que viveu no final século IV antes de Cristo. Segundo o pensamento deste filósofo o ser humano não tem  possibilidade de ter certeza sobre nada. Note-se que a preocupação com a possibilidade de conhecer a verdade é marca registrada de toda a filosofia desde o seu nascimento.
Nas suas andanças pelo mundo, Pirro confrontou os conhecimentos de diversas culturas e não aderiu a nenhuma delas. Segundo ele a atitude mais coerente que qualquer pessoa pode ter sobre algo é suspender qualquer questionamento e aceitar com tranquilidade que o ser humano está impossibilitado de distinguir entre o certo e o errado.
Do ponto de vista do ceticismo esta condição é para o ser humano uma atitude ética, posto que aqueles que pretendem conhecer verdades estarão destinados a  serem infelizes porque todas as coisas são passageiras e portanto impossíveis de serem conhecidas.
Quando o ser humano substituiu as explicações mitológicas para compreender a origem das coisas nasceu então a filosofia. Quase dois séculos depois Pirro afirma que o conhecimento é impossível. Segundo a história, este filósofo teve uma vida longa exatamente por não se preocupar com nenhuma forma de conhecimento. Diante da impossibilidade de conhecer, Pirro, jamais teria feito qualquer busca para sair da ignorância. Ele mesmo classifica três atitudes possíveis para um cético:
a)    Afasia (Calado, não tem opinião sobre nada)
b)    Apatia (Insensibilidade, tanto faz, não me diz respeito)
c)    Ataraxia (Ausência de perturbação)
De acordo com o pensamento deste autor, a pessoa que deseja conhecer algo tem dois caminhos: usar o método crítico, o pensamento científico, ou simplesmente contentar-se com as evidencias dos sentidos, chamadas também de empíricas. Estando convencido que o conhecimento da verdade é impossível sobre qualquer ponto de vista, o cético acaba por não se preocupar com nada, posição, que segundo o fundador do ceticismo filosófico é garantia de vida longa.
Na idade média o francês Michel de Montagne é um defensor do ceticismo moderno. Ele é contrário às certezas da doutrina escolástica  e à intolerância religiosa que marcou esse período da história. Analisando a influência de fatores pessoais na formulação de opiniões, Montagne conclui pela impossibilidade de alcançar o conhecimento e prefere manter a dúvida em lugar da certeza. Dentre as afirmações de Montagne, sobre a subjetividade do conhecimento, destaca-se a seguinte afirmação:
“Cada qual considera bárbaro o que não se pratica em sua terra. E é natural, porque só podemos julgar da verdade e da razão de ser das coisas pelo exemplo e pela ideia dos usos e costumes do país em que vivemos”[1]
No século XVIII o escocês David Hume defende o ceticismo a partir da convicção de que o ser humano é escravo dos sentidos e por causa deles reduz qualquer possibilidade de ter certezas sobre nada. Embora ele mesmo não se declare um cético, considera vantagem para o ser humano um ‘meio termo’ afirmando que o sujeito não deve buscar respostas além daquelas mínimas necessárias para sua convivência em sociedade. De acordo com Hume o conhecimento tem sempre origem em uma causa anterior. Sua posição pode ser entendida na seguinte afirmação:
“...após descobrir, pela observação de muitos exemplos, que duas espécies de objetos, como a chama e o calor, a neve e o frio, aparecem sempre ligadas, se a chama ou a neve se apresenta novamente aos sentidos, a mente é levada pelo hábito a esperar o calor ou o frio e acreditar que tal qualidade existe realmente e se manifestará a quem chegar mais perto[2]
Dentre os brasileiros o filósofo Oswaldo Porchat Pereira pode ser classificado como o mais expressivo sucessor de Pirro. Segundo Porchat o conhecimento que o ser humano tem da realidade não passa de uma racionalização precária, provisória e relativa. Tal compreensão aparece na sua afirmação:
Visão de mundo que se reconhece sujeita a uma evolução permanente, que exigirá por isso mesmo uma revisão constante. A natureza mesma de um tal empreendimento, que certamente visa a obtenção de resultados relativamente consensuais, se acomoda sem maior problema ao pluralismo de pontos de vista e de perspectivas de fenômenos diferentes. Ao antigo conflito das verdades se substitui agora o diálogo desses pontos de vista e dessas perspectivas. Mantém-se a aposta no caráter intersubjetivo da racionalidade. Mercê de sua postura cética, a filosofia se pode pensar sob o prisma da comunicação, da conversa, do diálogo, do consenso e ... da relatividade. E assim pensada ela pode contribuir – e muito  - para favorecer o entendimento entre os homens: tendo destruído as verdades, ela poderá eventualmente ensiná-los a conviver com as suas diferenças[3]
DOGMATISMO
A expressão “dogmático” no seu sentido filosófico significa oposição. Ou o que se pode definir como a “opinião como ela é”, tem a ver com doutrina. Por isso mesmo, muitas vezes a expressão “dogma” é utilizado como sinônimo de verdades religiosas, embora nem sempre tenha este significado e para a filosofia não é de fato.
Na filosofia a expressão significa defesa de verdade absoluta que garanta uma determinada verdade no seu ponto final independente de qualquer exame ou argumentação.
No senso comum entende-se por dogmático a aceitação de certezas não questionadas, nestes casos o defensor de uma determinada compreensão abre mão da possibilidade de qualquer dúvida sobre o fato.
O dogmático é o tipo do sujeito que se cristaliza, petrifica, resiste ao diálogo, teme o novo e pior que isso impõe seu ponto de vista aos demais do seu convívio.  O dogmatismo é muito comum na defesa de ideias políticas, religiosas e ideológicas. Em geral o dogmático nega a possibilidade da pluralidade de ideias e quando se trata de política abre espaço para o chamado “estado único”.
As doutrinas dogmáticas tem tudo a ver com censura, repressão, liberdade vigiada. No mundo temos vários exemplos recentes: A Russia comunista, o Nazismo na Alemanha, o Facismo na Itália, o Castrismo em Cuba, o Getulhismo no Brasil a Ditadura Militar no Brasil.
Da ponto de vista da filosofia não se pode falar em dogmatismo sob a interpretação pejorativa, que não recebia nenhuma crítica, como se aplica ao termo no senso comum. Para a filosofia entende-se como dogmática a atitude dos filósofos que estão convencidos de que a razão pode alcançar a verdade absoluta.
A posição do filósofo escocês David Hume que colocou em dúvida a possibilidade de conhecer contribuiu muito para a filosofia desenvolvida por Emanuel Kant que desenvolveu a doutrina chamada Criticismo. Este último chega a conclusão que é impossível conhecer as coisas como elas são, mas apenas o modo como elas aparecem.
Para Kant algumas verdades não podem ser conhecidas pela razão, entre elas a ideia de Deus, de alma, de liberdade. São todas verdades que precisam aceitas por que elas “são” e pronto.
Kant atribui a característica de dogmático aos filósofos que vieram antes dele, uma vez que estes não se preocuparam com discussões sobre a possibilidade de conhecer certas verdades. Kant chegou a afirmar que seus predecessores “não acordaram do sono dogmático”, expressão que significa manter a confiança não questionada sobre o poder da razão.
Entre os filósofos que “dormem” pode ser incluído Rene Descartes para quem era possível alcançar uma verdade indubitável. Este filósofo desenvolveu a chamada “dúvida metódica”.
Estas duas  teorias deram origem a outras maneiras de aceitar, compreender e buscar a verdade. Para ter acesso às maneiras de buscar a verdade algumas perguntas são indispensáveis para quem quer alcançar o conhecimento:
a)    Quais são os critérios?
b)    O que a verdade exige para que seja aceita?
c)    Quando pode-se afirmar que algo é verdadeiro?
TEORIAS SOBRE A VERDADE
Para as três perguntas a resposta que parece mais adequada pode ser: Evidência! Esta certeza que marcou a vida de muitos filósofos também recebeu muitas críticas.
Desde Aristóteles – 600 anos antes de Cristo – a aceitação de uma afirmação como verdadeira depende da correspondência com a realidade. Esta condição, embora pareça fácil para ser aceita merece ainda uma outra pergunta: A verdade é como é ou como aparece? Que garantias alguém pode ter de que seus pensamentos correspondem com os fatos?
As repostas dadas como absolutas pelos filósofos antigos e médios sofreram questionamentos importantes no final do século XIX e início do século XX, sobretudo  foram feitas críticas sobre a afirmação absoluta de que uma verdade deveria necessária e unicamente ter correspondência com  a coisa  como ela se deixa ver.
O filósofo francês Paul Ricoeur, que viveu até 2005, apontou um trio de filósofos aos quais chamou de “mestres da suspeita”, a estes poderia também ser atribuído o título de céticos da atualidade. A lista tríplice é composta por Marx, Nietzsche e Freud. Segundo a compreensão destes filósofos para aceitar uma verdade o sujeito precisa interpretar aquilo que julga conhecer tentando decifrar o sentido oculto da verdade que pode ser conhecida pelos sentidos.
Segundo Marx, toda e qualquer ideia precisa ser vista e analisada a partir do contexto em que ela foi desenvolvida. Isto significa levar em conta as realidades materiais e as forças produtivas de uma determinada sociedade. A verdade precisa ser interpretada  desde as contradições dentro dela mesma. Feita esta consideração há que se compreender que não existem verdades absolutas, posto que quase sempre elas são impostas a partir da classe dominante.
Não é raro que uma sociedade inteira aceite verdades filosóficas, jurídicas, éticas, políticas e até mesmo religiosas a partir do pensamento daqueles que mandam na sociedade. Sempre que isso acontece, tem-se então uma ideologia, ou seja, um conhecimento ilusório que disfarça (mascara) os conflitos sociais e continuam garantindo a dominação de uns sobre os outros.
Já Nietzsche afirmou que o conhecimento não passa de uma interpretação dos sentidos e não se constitui em explicação da realidade. Sempre que se atribui um sentido para alguma coisa se está conferindo valores que se quer mostrar ou ocultar sobre uma determinada verdade. Para Nietzsche conhecer é o resultado da luta entre compromisso e instinto. A verdade, neste caso, não é mais um valor que  a coisa ou o fato adquire, mas um valor pelo fato de existir. Para este pensador é importante procurar a verdade olhando os fatos e as coisas sobre diversos pontos de vista. Quanto maiores as variações para aceitar uma verdade mais fácil compreender a complexidade de cada verdade.
O terceiro membro do trio chamado “mestres da suspeita” foi Sigmund Freud. Segundo ele o centro de todas as decisões e, portanto, o único responsável pela aceitação de uma determinada verdade é o inconsciente. Isso significa dizer que as reações de uma determinada pessoa em relação às verdades encontra sua justificativa no inconsciente e fora do controle do próprio sujeito. Por causa desta certeza, Freud afirma que todo e qualquer ato humano tem sua significação oculta. Como exemplo se poderia afirmar que os momentos de consciência, isto é, que a pessoa age sabendo o que está fazendo, é apenas a ponta de um iceberg.
A denominação “mestres da suspeita” aplicada aos três filósofos contemporâneos encontra justificativa, uma vez que as opiniões dos três influenciam até os dias de hoje toda a forma de pensar e de aceitar verdades.
A VERDADE ESTÁ LOGO AÍ...
Desde a origem da filosofia, compreender a verdade se tornou a preocupação principal de todos os pensadores e de todas as correntes. Até os dias de hoje a melhor maneira de ter certezas sobre algumas coisas é abrir a possibilidade do diálogo. Que de acordo com as doutrinas do ceticismo e do dogmatismo implica desconfiar das verdades e certezas absolutas.
Não se deixar influenciar pelo ceticismo radical – que recusa  até a filosofia – ou ao dogmatismo – que se contenta com verdades absolutas – permite ao ser humano lidar melhor com o espanto, a admiração a controvérsia e entrar num contínuo movimento entre a certeza e a incerteza.
Buscar e reconhecer a verdade continua  sendo um desafio humano e necessário que exige liberdade de pensamento e capacidade para o diálogo de modo a compartilhar as interpretações possíveis da realidade.








[1] MONTAGNE, Michel. Ensaios. São Paulo: Abril cultural, 1972, p. 104 (coleção pensadores).
[2] HUME, David. Investigação sobre o entendimento humano. Seção XII, Parte III. São Paulo: Abril Cultural, 1973. P. 196.

[3] PEREIRA, Oswaldo Porchat. Vida comum e ceticismo. São Paulo: Brasiliense, 1993. P. 252.

sábado, 2 de agosto de 2014

A PROPÓSITO DA ATUALIZAÇÃO DA PROPOSTA CURRICULAR DE SANTA CATARINA

FILOSOFIA EM SALA DE AULA

Se fosse possível afirmar que o ensino da filosofia no ensino médio tem um norte, poderia se organizar de modo didático dizendo que a função dela em sala de aula consiste em:
a)                  Criar mediações pedagógicas facilitadoras do processo de aprendizagem;
b)                 Promover a capacidade de o aluno pensar por si próprio;
Enquanto o aluno não for capaz de pensar por si próprio (copia, repete, exercita) ele age de acordo com a afirmação Kantiana: “Vive na menoridade intelectual”. Isso significa dizer: o aluno sabe regras, normas e fórmulas, mas quando precisa delas no seu cotidiano é incapaz de servir-se para a construção da sua autonomia.
Neste sentido na disciplina de filosofia o aluno merece ter contato com alguns textos filosóficos,  que resumem o pensamento de determinado autor e entender as indagações e os argumentos que fundamentam a opinião do autor. Neste ponto é importante que o estudante seja capaz de problematizar, argumentar, conceituar tendo a seu alcance conteúdos da história da filosofia.
Por sua parte o professor  tem, pelo menos, dois caminhos a seguir:  Fazer uma aula a partir das deficiências e limites do aluno ou investir numa real democratização do saber. Essa segunda implica estar convencido que todos tem oportunidade de dominar conhecimentos com qualidade e desenvolver inteligência crítica e criadora.
O ensino da filosofia na escola tem como tarefa fundamental permitir que esteja ao alcance de todos mediações intelectuais de uma disciplina cuja essência é a abstração.  Ensinar e aprender filosofia implica produzir saberes mais do que simplesmente transmitir o que já se sabe, porém, um não exclui o outro.
Uma das primeiras dificuldades vivenciadas pelo professor de filosofia consiste na certeza de que a o estudo desta disciplina não é uma escolha do estudante de ensino médio, o qual nesta etapa da vida está mais preocupado com sua formação técnica e profissional ou na melhor das hipóteses alcançar as cadeiras de uma universidade.  No contexto em que vivem os estudantes do nível médio, a filosofia esta longe de qualquer necessidade espiritual alimentada por eles.
A tarefa do professor de filosofia, segundo Rui Gárcio Souza Dias  consiste em “navegar contra a corrente das necessidades culturais dos alunos. Quase nada no cotidiano dos jovens pede juízo filosófico. Neste caso ensinar filosofia  significa dar ao jovem algo que ele não tem necessidade, isso significa criar apetite em quem não tem fome”.
Deste modo o professor filosofia, além de ensinar a própria disciplina, tem a exigente tarefa  de fazer com que os conteúdos  sejam significativos  para o horizonte de vida de seus interlocutores.  Para isso o professor precisará também relacionar o que vai ensinar com aquilo que o aluno já sabe, ou pelo menos, já vivência no seu cotidiano.
Para aprender filosofia os alunos precisaram antes ser despertados ao interesse por ela e isso implica oferecer a possibilidade de elaborar alguns aspectos importantes da vida interrogando-se e problematizando sobre eles.
Neste caso está mais do que evidente que não basta a adoção de manuais  para o ensino da filosofia, eles até podem ser úteis como instrumentos para facilitar o pensar e a sistematização  da problematicidade  do processo de ensino e aprendizagem da filosofia e do filosofar.
Estudar filosofia é muito mais do que contemplar os tempos e os espaços da história da filosofia como alguém que enxerga extasiado monumentos, museus e obras de arte, muitas vezes sem entender a razão da sua existência.
O professor de filosofia é desafiado a aplicar no seu cotidiano a máxima kantiana: “não se aprende filosofia, antes se aprende filosofar”  sem, contudo, deixar à mercê do nada o processo histórico que deu origem ao processo de questionamentos e argumentação que Kant denomina “filosofar”.
Em resumo, trata-se de aprender filosofar, conhecendo também a filosofia, do contrário se estará descaracterizando o saber filosófico em favor de temas transversais. Conhecer a filosofia não é mero acessório no exercício de filosofar.  Compreendido isso, pode se afirmar, sem sobra de dúvida, que história da filosofia - não no seu sentido linear, mas no âmago das questões que foram importantes em cada contexto -  e filosofia, como arte de filosofar, são inseparáveis.
Na arte de ensinar e aprender filosofar o professor precisará despertar nos seus discípulos a filosofia como algo vivo e de atualidade  para as reflexões do seu cotidiano.  Não se trata então, de reescrever o que outros disseram ao longo da história, mas de repensar tudo o que foi objeto da filosofia num constante movimento de reflexão.  Isso significa dizer que estudar filosofia implica manter escancarada a porta entre reflexões do presente e do passado.
A título de conclusão é importante ter em conta que discutir um determinado assunto como parte do ensino da filosofia implica ser interrogado por ele na tradição filosófica fazendo  a ponte entre o cotidiano dos alunos e as discussões que já foram levantadas ao longo da história.



HOMILIA PARA O DIA 03 DE AGOSTO DE 2014

DÊEM VOCÊS MESMOS DE COMER...

Estamos entrando, mais uma vez em período eleitoral. Os candidatos a diversos cargos começam se apresentar cada um com uma proposta mais mirabolante que a outra. As discussões sobre os programas sociais do governo e outras que envolvem a economia e a mobilidade urbana estarão em pauta em todos os debates políticos.

Independente de qual seja a função e quem responde por ela, é certo que aqueles que têm alguma responsabilidade na sociedade têm o dever de garantir às pessoas qualidade de vida. Isso é condição fundamental.

Preocupar-se com a vida daqueles que estão sob os seus cuidados é um dever dos pais, dos professores, dos governantes, dos padres, dos religiosos, dos políticos e assim por diante. Levar a sério esta tarefa é uma questão de vocação.

No mês de agosto, tradicionalmente, a Igreja pede as orações de todos a fim de cada pessoa tenha maior compreensão da graça que Deus lhe dá e das responsabilidades que sua vocação lhe exige.

Sob esta ótica, as leituras de hoje tratam exatamente da responsabilidade e da vocação de todos os que têm sob seus cuidados algum grupo de pessoas. As leituras falam de garantir condições mínimas que garantam dignidade de vida.

O profeta Isaias, que escreve há quase setecentos anos antes do nascimento de Jesus, faz um convite ao seu povo: “Â vós todos que estais com sede, vinde às águas; vós que não tendes dinheiro, apressai-vos, vinde e comei, vinde comprar sem dinheiro, tomar vinho e leite, sem nenhuma paga. Por que gastar dinheiro com outra coisa que não o pão, desperdiçar o salário senão com satisfação completa? Ouvi-me com atenção, e alimentai-vos bem, para deleite e revigoramento do vosso corpo”.

E São Paulo, escrevendo aos Romanos, dá uma palavra de conforto: “Quem nos separará do amor de Cristo? Tribulação? Angústia? Perseguição? Fome? Nudez? Perigo? Espada? Em tudo isso, somos mais que vencedores, graças àquele que nos amou”.

Por isso mesmo a Igreja inteira reza no salmo: “Vós abris a vossa mão e saciais os vossos filhos”. Exatamente isso fez Jesus, quando a multidão estava fascinada pela sua palavra e nem percebia que se distanciava dos recursos e  da alimentação necessária.

Interrogado pelos discípulos sobre o que fazer com a gente faminta, Ele responde à queima roupa: “Deem vocês mesmos de comer”. Naturalmente Jesus também faz a sua parte, organiza a multidão em grupos, reza com confiança ao Pai e pede que o pouco de cada um seja distribuído entre todos. O resultado não poderia ser outro: “Sobraram doze cestos, depois que todos comeram”.

A palavra de Deus neste domingo ensina a cada um e a todos que ser fiel à sua vocação implica sentir compaixão e ser responsável pelo Ser humano inteiro em todas as suas necessidades. Isso vale para os pais, para os professores, para os líderes de comunidades, para as autoridades e por que não para os políticos.


Render graças a Deus é uma ação que a comunidade faz cada vez que se reúne em oração, ao mesmo tempo em que pede a graça de ser fiel à sua vocação e responda com seriedade aos compromissos que assumiu diante de Deus e diante de todos.