ENSINO MÉDIO INTEGRAL: UM NOVO OLHAR PARA A EDUCAÇÃO
Elcio Alberton
EEB Adelina Régis[1]
RESUMO: O
artigo tem por objetivo descrever um marco teórico do Ensino Médio Integral
considerando a mudança de época que se está vivendo e os desafios que ela
apresenta para a educação, particularmente em Santa Catarina que ousa ver a
educação com outro olhar. Indica o desafio de descobrir a experiência do prazer
no processo ensino aprendizagem. E depois de ouvir educadores envolvidos na
implantação do Ensino Médio Integral no Estado, sugere alternativas para que
este formato de organização da educação alcance os objetivos a que se propõe,
desenvolvendo também na comunidade educacional o sonho de uma escola
reinventada, recriada e pautada pela colaboração, que pode gerar sujeitos
inventivos, participativos e preparados para intervir e problematizar.
PALAVRAS
CHAVES: Educação; Reencantar; Processo Cooperativo.
EIXO
TEMÁTICO: EDUCAÇÃO INTEGRAL
INTRODUÇÃO
O
propósito da temática em referência é refletir sobre o processo de
solidificação do ensino médio integral no Estado de Santa Catarina, como uma
das metas do governo em cumprimento ao que propôe o Plano Nacional de Educação
para o decênio 2010 – 2020. A iniciativa implantada em todas as regiões do
Estado pode ser reconhecida como o sonho de “Ensinar tudo a todos” tendo como preocupação
central o sujeito envolvido no processo: o aluno. Este é a razão de ser da
escola, da docência e de todo o sistema de ensinagem (ensino x aprendizagem),
para o que se pode aplicar a máxima freiriana de que a educação se realiza
mediatizada pelo mundo e pelas pessoas. Em outras palavras, o Ensino Médio Integral
se constitui num caminho de universalização da educação, como já descreviam
educadores desde o século XVI:
A preocupação da
escola, portanto, deve ser com a totalidade do homem, pois: assim como no útero
materno se formam os mesmos membros para todo o ser que há de tornar-se homem e
para cada um se formam todos: as mãos os pés, e língua, etc., embora nem todos
venham a serem artesãos, corredores, escrivães e oradores, assim também a
escola deve ensinar a todos todas aquelas coisas que dizem respeito ao homem,
embora, mais tarde, umas venham a ser mais úteis a uns e outras a outros (GASPARIN
1994, p.119).
A
implantação dessa modalidade de educação vem ocorrendo simultaneamente ao que
se denomina “mudança de época” e naturalmente se apresenta como um desafio
comparável a invenção da escrita pelos fenícios na história antiga. Esta
realidade pode ser descrita como um processo de metamorfose civilizatória de
alcance antropológico que implica numa transição paradigmática:
No começo deste novo
século, estamos rodeados de sistemas altamente complexos que cada vez mais
tomam conta de quase todos os aspectos da nossa vida. Trata-se de complexidade
que seríamos incapazes de imaginar a meros cinquenta anos – sistemas globais de
comércio e troca de informações, uma comunicação global instantânea através de
redes eletrônicas cada vez mais sofisticadas, empresas
multinacionais gigantescas, fábricas automatizadas, etc. (CAPRA 2005, p. 110).
.
Vivemos
em um mundo globalizado no qual todos são afetados por tudo o que acontece em
qualquer lugar. O acesso à rede mundial de computadores vem provocando uma
revolução no modo de aprender, de pensar, de agir e de estabelecer relações. As
novas tecnologias de informação e comunicação estão abolindo fronteiras e
eliminando distâncias de modo que apontam para a transnacionalidade. Há pouco
mais de três anos o mundo assistiu atônito ao surgimento da denominada
“Primavera Árabe” que teve seu gene desenvolvido a partir das redes sociais. O
Brasil reencontrou a força das ruas nas recentes manifestações que se
desenrolaram no denominado movimento “Passe Livre”, o qual também teve origem e
articulação na World Wide Web.
Neste
contexto de complexidade é possível apresentar para a educação pelo menos duas
alternativas. A primeira que consiste em olhar o mundo com encantamento como
astronautas perplexos com o sentimento do primeiro homem a pisar na lua:
À noite, a terra
parece mais mágica ainda do que durante o dia. Sempre há uma tempestade
desabando em algum lugar. Os clarões dos relâmpagos, às vezes, cobrem até um
quarto do continente. No começo, vemos isso como uma perturbação natural, a erupção
de salpicos é um espetáculo majestoso (SULLIVAN 2004, p. 391).
Pode
também ser entendida como uma crise semelhante ao que o povo de Israel descreve
na caminhada rumo à terra prometida:
Ouça Israel: Hoje
você está atravessando o rio Jordão para conquistar nações maiores e mais
poderosas que você, cidades grandes e fortificadas até o céu. Os enacim são um
povo forte e de grande estatura. Você os conhece, porque ouviu dizer: Quem
poderia resistir aos filhos de Enac? Por isso ficará sabendo que Javé seu Deus
vai atravessar na sua frente como fogo devorador (DEUTERONÔMIO 9, 1- 3).
Não
se pode esconder que se trata de uma transformação paradigmática que aponta
para o novo, que “nasce com dores de parto”, todavia, há que se compreender que
estas são dores que apontam para a vida e não para a morte. Trata-se de um
período de crise que precisa ser entendido como crisaldáliga e não como crise
para a qual não se veja luz no fim do túnel:
Continuamos a fazer
as mesmas perguntas fantasmas que, como se sabe ninguém responderá... Em que
sonhos estamos metidos, entretidos com crises, ao fim das quais sairíamos do pesadelo?
Quando tomaremos consciência que não há crise nem crises, mas mutação? Não
mutação de uma sociedade, mas mutação brutal de uma civilização? Participamos
de uma nova era, sem conseguir observá-la. Sem admitir e sem sequer perceber
que a era anterior desapareceu (FORRESTER 1997, p. 7 -8).
No
que se refere à educação, não se pode negar que mudanças significativas
acontecem cotidianamente e transformam as relações institucionais e educativas
bem como toda a comunidade nelas envolvida. Neste sentido a metamorfose que
está ocorrendo em Santa Catarina com a implantação do Ensino Médio Integral se
constitui na convicção de que outro mundo é possível e que se está vivendo os
espasmos de uma véspera de parto.
REENCANTAR
A EDUCAÇÃO
A
expressão que intitula uma publicação de Hugo Assmann e que desafia os sistemas
educacionais a transformar a escola num lugar gostoso implica a construção de
um processo de inclusão social no qual as diferenças sejam valorizadas e
compreendidas em condição de igualdade. Neste sentido é preciso compreender
que:
Uma sociedade onde
caibam todos só será possível num mundo no qual caibam muitos mundos. A
educação se confronta com essa apaixonante tarefa: formar seres humanos para os
quais a criatividade e a ternura sejam necessidades vivenciais e elementos
definidores de sonhos de felicidade individual e social. Precisamos
reintroduzir na escola o princípio de que toda a morfogênese do conhecimento tem algo a ver com a
experiência do prazer (ASSMANN 2002, p. 29).
Para
que esta situação aconteça há que se superar a compreensão da escola jesuítica
na qual educar implicava enquadrar e repassar verdades e certezas. Mais do que nunca
neste processo metamorfósico pelo qual passa a sociedade é preciso compreender
que muito além do que palavras são os fatos que dão credibilidade às palavras.
O sistema escolar excludente praticado por anos na educação brasileira
estigmatizou a educação como uma coisa difícil, negativa, que é definida por
Assmann como apartheid neuronal e que
para sua superação há de se fazer reiniciar a construção da pedagogia da
esperança que no dizer de Paulo Freire permitirá a construção de uma sociedade
onde seja menos difícil de amar.
Esta
transformação da educação pode ser entendida na perspectiva pedagógica descrita
na seguinte oração: “Precisamos de algo mais inovador do que os debates confinados
em esquemas ideológico-políticos que já se revelaram incapazes de gerar
entusiasmo pela vocação de educar” (ASSMANN 2002, p. 109).
Reencantar
a educação implica compreender o SER das pessoas envolvidas no complexo sistema
de troca de saberes, mais do que esquemas didático-pedagógicos de ser professor
ou de ser aluno. Para que isso se torne realidade implica conhecer as
trajetórias humanas e os tempos dos educandos e dos educadores num mundo em que
o papel exercido pelos pais e pela escola são agora representados com maior
intensidade pelos meios de comunicação de massa.
Professores,
pais, alunos, gestores e porque não a comunidade como um todo precisa conhecer
melhor a trajetória de educandos e educadores. Claro está que esta condição
implica ter maior clareza sobre a imagem humana da pessoa com quem vai sendo
estabelecido o processo de ensino aprendizagem antes que a sua situação
didático pedagógica. Ir para a escola
não é um processo de levar para o espaço educacional a fome de saber e de
ensinar, mas de conviver e amar.
A
escola precisa ir se construindo como um espaço no qual se encontra repostas
para o imaginário relativo ao aprendizado colaborativo. A tarefa primordial da
educação é construir seres humanos e para tal a convivência se constitui na
melhor forma de aprendizado. Tal situação pode ser compreendida na máxima de
Santo Agostinho: “Não aprendemos com palavras, mas com aquilo de ressoa
interiormente”.
O
processo de reencantamento da educação consiste muito mais do que ser
especialista em conhecimento ser educador na totalidade da existência das
pessoas que nela se relacionam. Há que se processar a educação desde a ótica da
espiritualidade e da paixão que levem em conta questões relevantes do existir
humano que não se enquadram em nenhuma grade curricular.
No
mundo que se metamorfoseia, alunos e professores veem suas imagens quebradas,
porque não dizer dilaceradas diante das grandes interrogações do existir
humano. Experimenta-se uma vulnerabilidade na arte de aprender e ensinar que
exige um acompanhamento em todo o tenso percurso formativo de alunos e professores.
A
escola precisa dar respostas profissionais mediante um processo de aproximação
entre educandos e educadores. Esta escolha implica reaprender a arte de educar
que significa elaborar novas estratégias coletivas de estudo e de planejamento
no qual a inovação escolar se dará muito mais pelas mudanças que devem ocorrer
com os próprios docentes.
Nos
últimos tempos tem se investido de modo significativo no que diz respeito aos
aspectos profissionais da educação em detrimento do tempo para o ser humano. O
reencantamento da escola implica superar o conceito e a prática de que a escola
ensina e a família e outras instituições educam. O modo como se processa os
investimentos na preparação didático-pedagógica e nos recursos físicos para a
educação mantém a dualidade entre aprender e educar. Em síntese transformar a
escola num lugar onde se vive a experiência do prazer implica pensar antes nos
tempos humanos que tempos para os humanos.
Esta
ótica aparece implícita no Parecer 05/2011 do Conselho Nacional de Educação
homologado em dezembro de 2012. Este documento descreve com uma das
necessidades para o pleno desenvolvimento do Brasil a expansão do Ensino Médio
com qualidade e que tenha presente a formação da cidadania. Para que isto seja
uma meta alcançável afirma que é necessário oferecer aos jovens novas
perspectivas culturais capazes de expandir horizontes e dotá-los de autonomia
intelectual.
Para
isso fica também claro que a escola precisa ser repensada levando em
consideração as condições dos recursos humanos articulando a formação inicial e
continuada com uma visão sistêmica que compreenda os aspectos humanos,
científicos, culturais e profissionais. Esta exigência decorre da compreensão
que os jovens tem hoje demandas significativas as quais precisam estar contempladas
no currículo e no projeto político pedagógico a fim de que seja garantido o
acesso, permanência e sucesso no processo de aprendizagem e constituição da
cidadania.
O
parecer propõe vinte metas para o decênio e reconhece e afirma que:
“A educação é um processo de produção e
socialização da cultura da vida, no qual se constroem, se mantém e se
transformam conhecimentos e valores. ... A escola precisa, face às exigências
da Educação Básica ser reinventada, ou seja, priorizar processos capazes de gerar
sujeitos inventivos, participativos, cooperativos, preparados para
diversificadas inserções sociais, políticas, culturais, laborais e, ao mesmo
tempo capazes de intervir e problematizar as formas de produção e de vida. A
escola tem diante de si o desafio de sua própria recriação, pois tudo o que a
ela se refere constitui-se como invenção: os rituais escolares são invenções de
um determinado contexto sociocultural em movimento”. (PARECER CNE/CEB Nº:5/2011, p. 9).
De alguma maneira esta situação está contemplada na
proposta de implantação do Ensino Médio Integral em Santa Catarina, todavia,
ainda persistem lacunas entre a proposta e a efetivação do sistema, como se
verá a seguir.
A
IMPLANTAÇÃO DO ENSINO MÉDIO INTEGRAL EM SANTA CATARINA
No
ano de 2012 a Secretária de Estado da Educação abraçou uma meta ousada com a
implantação, em 40 escolas do estado atingindo cerca de 15.000 alunos, da
modalidade de ensino médio integral. O lançamento da proposta que incluiu
encontro com professores e gestores de todas as regiões do estado prometia uma
revolução no ensino médio que fosse capaz de favorecer aos jovens uma educação
cidadã, responsável, crítica e participativa. Obviamente que esta modalidade
exigiria igualmente pensar uma educação no sentido pleno da palavra e que fosse
capaz de refletir e problematizar práticas já consagradas incorporando a estas
outras múltiplas dimensões de realização humana. Tal modalidade de ensino teria
em conta aspectos que foram historicamente tratados como periféricos, entre
eles a dimensão emocional afetiva e a físico-corpórea.
Na
apresentação do projeto para o governo de Santa Catarina e para a sociedade
como um todo foram dadas as seguintes justificativas:
Nestas escolas haverá uma revitalização, adaptação e instalação de novos
equipamentos para que todas tenham laboratórios de informática, biblioteca,
laboratórios de ciências, sala para empreendedorismo, espaços esportivos,
espaços de convivência, auditório e refeitório. A Diretora de Ensino Básico e
Profissional, Gilda Mara Marcondes Penha, destaca que os professores que vão
atuar nestas escolas terão dedicação exclusiva, haverá professores orientadores
de laboratórios de biologia, física, química e de tecnologias, professor
orientador de leitura nas bibliotecas, professor mediador para cuidar do
relacionamento interpessoal no pátio das escolas, vigilantes, serventes e
merendeiras. A intenção do projeto a ser implementado é que seja feito um amplo
investimento em tecnologia. Para o ensino de informática cada escola deverá ter
12 salas com kit multimídia, notebook para professores e Assistentes
Técnico-pedagógicos, lousas digitais, rede lógica, cobertura de wireless em
toda área da escola (http://www.sed.sc.gov.br/secretaria/noticias/3126-ensino-medio-integral-deve-comecar-com-15-mil-alunos
acesso em 02/07/2013).
Parte significativa destas questões
didático-pedagógicas foi viabilizada nas escolas selecionadas como pioneiras
nesta modalidade de educação. Pode-se afirmar que do ponto de vista de
infraestrutura física as unidades escolares estariam aptas para oferecer para a
comunidade escolar o acesso e permanência com qualidade no ambiente escolar em
tempo integral desde o início de 2012. Apesar disso, pouco mais de um ano
depois de implantado em terras Barriga Verde, pode-se aplicar à realidade do
Ensino Médio Integral em Santa Catarina a parábola do sapato perdido:
Naquela
manhã, decidi sair com Mateo, meu pequeno filho, para fazer algumas compras. As
necessidades familiares eram, como quase sempre, ecléticas: fraldas, disquetes,
o último livro de Ana Miranda e algumas garrafas de vinho argentino, difíceis
de encontrar no Rio de Janeiro por um bom preço. Depois de algumas quadras, Teo
dormiu tranquilamente em seu carrinho. Enquanto ele sonhava com alguma coisa
provavelmente mágica, percebi que um de seus sapatos estava desamarrado e quase
caindo. Decidi tirá-lo para evitar que, por um descuido, se perdesse. Poucos
segundos depois uma elegante senhora me alertou: Cuidado! Seu filho perdeu um
sapatinho”. “Obrigado – respondi – mas fui eu mesmo que tirei”. Alguns metros a
frente, o porteiro de um edifício, de sorriso tímido e poucas palavras, moveu
sua cabeça em direção ao pé de Mateo, dizendo em um tom grave: “o sapato”.
Levantei o polegar em sinal de agradecimento, e continue meu caminho. Antes de
chegar ao supermercado, dobrando a esquina da Avenida Nossa Senhora de
Copacabana com a Rainha Elizabeth, um surfista igualmente preocupado com o
destino do sapato de Teo disse “Ô mané, teu filho perdeu a sandália”. Ergui o
dedo novamente e sorri agradecido, mas já sem tanto entusiasmo. No
supermercado, as pessoas continuaram chamando minha atenção. A suposta perda do
sapato de Mateo não deixava de gerar diferentes mostras de solidariedade e
alerta... O Rio de janeiro é, como qualquer grande metrópole latino-americana,
um território de profundos contrastes, onde o luxo e a miséria convivem de
forma nem sempre harmoniosa. Meu incômodo era, talvez, injustificado: o que faz
do pé descalço de um menino de classe média motivo de atenção e circunstancial
preocupação em uma cidade com centenas de pés descalços, brutalmente descalços?
(Gentili 2003, p.27 - 28).
A ousada iniciativa catarinense vem
“perdendo sapatos” ao longo do processo. Voluntária ou involuntariamente
aspectos como qualidade, permanência e construção da cidadania estão aquém do
que se previa inicialmente. As adaptações aplicadas ao projeto ainda não estão
sendo capazes de atender às características e necessidades de estudantes e
professores em seus distintos contextos sociais e culturais com suas diferentes
capacidades e interesses. Naturalmente, como na parábola do sapato, tais
situações somente são observáveis porque se trata do “sapato de uma criança de
classe média”. Dito em outras palavras, os limites observáveis na modalidade
somente o são em virtude da magnitude do projeto e do alcance social que sua
viabilização contempla.
Antes de sugerir algumas alternativas
para a continuação e quiçá viabilizar o sonho de reinventar a educação em Santa
Catarina é importante ter presente alguns dados de escolas onde o projeto está
se desenvolvendo neste período. A pesquisa de campo atingiu 5 escolas nas
gerências regionais de Caçador, Videira e Joaçaba respectivamente.
RELEVÂNCIA DO TEMA
Os desafios do ensino médio estão
pedindo respostas urgentes, corajosas e audaciosas:
É
preciso reconhecer que a escola se constitui no principal espaço de acesso ao
conhecimento sistematizado, tal como ele foi produzido pela humanidade ao longo
dos anos. Assegurar essa possibilidade, garantindo a oferta de educação de
qualidade para toda a população, é crucial para que a possibilidade de
transformação social seja concretizada. Neste sentido, a educação escolar,
embora não tenha autonomia para, por si mesma, mudar a sociedade, é importante
estratégia de transformação, uma vez que a inclusão na sociedade contemporânea
não se dá sem o domínio de determinados conhecimentos que devem ser assegurados
a todos (PARECER CNE/CEB Nº 5/2011).
Santa Catarina ousou romper
estruturas, conceitos e a própria concepção do último ciclo da educação básica
com a implantação do sistema de Ensino Médio Integral. De um modo jocoso se
pode dizer que esta modalidade pode ser definida como “filho de classe média”
no sentido que para ele se voltam os olhares atônitos, curiosos e preocupados
de todos os que o espreitam faltando um dos sapatos.
A pesquisa de campo realizada em cinco
escolas das GEREDs de Caçador, Videira e Joaçaba contemplou a participação da
direção, do professor mediador de convivência e mais dois docentes. As
respostas vieram confirmar que uma iniciativa desta magnitude envolve muito
mais paixão e emoção do que propriamente recursos.[i]
ANÁLISE DAS ENTREVISTAS
As cinco escolas pesquisadas, no que
se refere a números da clientela nos anos 2012/2013, tiveram um número maior de
alunos e turmas iniciando o Ensino Médio Integral em 2013 na relação com o ano
anterior. Em 2013 houve um crescimento de 8,57% no número de alunos
matriculados na primeira série, enquanto que para o segundo ano houve um
decréscimo de 51% no número de matrículas em 2013. Por este dado nota-se que a
modalidade tem credibilidade inicial e perde fôlego ao longo do primeiro ano da
sua implantação.
Conforme planejado o Estado fez
investimentos relativos no que se refere aos espaços físicos das escolas
contempladas com modalidade. Em todas as escolas houve melhorias em parte do
espaço físico colocado a disposição dos alunos, na mesma proporção ocorreram
melhorias na rede de tecnologias, sendo que 80% das escolas pesquisadas
realizaram com recursos próprios a implantação de rede WIFI em todo o ambiente
escolar. Os sapatos começam efetivamente a se perder quando se trata do
investimento nos recursos humanos e, sobretudo na pessoa daqueles que estão
envolvidos. Reforça-se a preocupação de que é muito mais necessário investir no
“SER do educador” antes que no “Ser educador”.
Contrariando as expectativas iniciais
nenhuma das escolas pesquisadas tem professores com dedicação exclusiva, sendo
que alguns poucos casos podem contar com profissionais nesta condição. Todas as
escolas tem um professor mediador de convivência, que na sua totalidade são pós-graduados,
sendo que 45% deles são formados na Área de ciências humanas e suas
tecnologias; 45% na área de linguagens e códigos; e 10% na área de ciências da
natureza. Em todas as escolas atua somente um profissional na área sendo que
algumas delas tem três ou quatro vezes mais alunos que nas escolas menores. Trata-se
de um professor que trabalha 40 horas
semanais[ii] e para isso não recebe
nenhuma gratificação de função.
Sob o ponto de vista de planejamento,
todas as escolas dedicam tempo para esta atividade, o que não poderia ser
diferente já que os professores tem na sua carga horária tempo específico para
esta atividade. Embora não esteja clara a maneira como se realiza o
planejamento nos casos em que a pesquisa foi respondida por mais de uma pessoa
na escola há diferentes afirmações sobre planejamento por disciplina, por área
temática ou no coletivo.
Tratando da formação continuada sobre
planejamento coletivo inter e transdisciplinar as escolas afirmaram que mesmo
com diferente carga horária houve algum momento de formação. Já no que se refere á formação didático-pedagógica
75% das escolas disseram que não ocorreu, sendo ainda mais preocupante no
tocante à formação psicológica e emocional para a qual em 80% das escolas não
houve nenhum tipo de preparação. Em todos os itens quando o questionário foi
respondido por diferentes pessoas e separadamente os números não foram
convergentes e sempre apontaram índices menores que dos que foram considerados
nesta análise.
Perguntadas sobre a adequação do PPP[iii] da escola para a
modalidade de Ensino Médio integral, três escolas disseram ter realizado
alteração em uma das dimensões[iv] Uma disse não ter feito
nenhum estudo do PPP e uma afirmou ter readequado todo ele para esta nova
realidade. Entretanto, quando solicitadas que apresentassem a nova redação da
dimensão que foi readequada, nenhuma escola o fez. A mesma inconsistência
aparece no grupo de pessoas envolvidas no processo de adequação do documento.
As consequências desta situação
facilmente são percebidas nas demais respostas dadas para a entrevista,
sobretudo no que se refere a metas ações e responsáveis. Todas as escolas
pesquisadas tem diferentes atitudes em relação aos alunos faltosos, com
problemas de disciplina ou baixo rendimento escolar. A emissão do APOIA[v] e o envio para o conselho
tutelar varia entre três e sete dias consecutivos e só uma escola tem uma
pessoa responsável para comunicar a direção sobre alunos faltosos.
Em relação aos alunos com problemas de
disciplina ou baixo rendimento nenhuma escola tem clareza sobre qual a primeira
atitude a ser tomada, todas assinalaram que chamam os pais e os alunos para
conversar e nenhuma delas identificou a pessoa responsável para tratar do
assunto com os envolvidos. Em duas escolas o orientador de convivência
participa nos casos de indisciplina.
Não obstante a realidade apresentada
pelas escolas 60% dos entrevistados diz que a implantação do Ensino Médio
Integral em Santa Catarina alcança 70% dos objetivos a que se propõe e 40%
julga que alcança 50% dos seus objetivos.
No quesito o que precisa ser repensado
para a modalidade, 80% dos entrevistados julga ser necessário mais investimento
nos espaços físicos e nos recursos pedagógicos e 100% aponta como deficitária
ainda as questões relativas à formação continuada de professores, gestores e
equipe técnica da escola.
Diante desta constatação fica evidente
as duas maiores urgências que foram também apontadas pelos entrevistados:
Reforma de espaços físicos e formação continuada. A entrevista também
contemplou sugestões dos pesquisados os quais apresentaram: Organizar salas
ambientes; Realizar avaliação interdisciplinar; Desenvolver estratégias
criativas com a família; Incentivo para pesquisa e desenvolvimento juvenil; Integração
com o sistema “S” para o manter o aluno em tempo integral; Preparar pessoas
para a convivência pacífica; Maior tempo para convivência entre professores e
alunos, incluindo aí o horário do almoço; Bolsa para os alunos a partir do
segundo ano do ensino médio.
PISTAS PARA REENCONTRAR
O “SAPATO”
Com base no marco teórico do que
significa a etapa do ensino médio para o desenvolvimento integral do ser
humano, tendo presente as questões de realização pessoal do aluno e do
professor, considerando os dados levantados nas entrevistas e reafirmando a
magnitude do projeto de Ensino Médio Integral em terras Barriga Verde, pode-se
reafirmar que esta modalidade se compara ao “primo rico” ou “filho de classe
média” cuja perda do sapato é percebida com maior facilidade em detrimento do
ensino médio regular para quem se aplica a indignação do autor da parábola do
sapato perdido:
Meu
incômodo era talvez injustificado: o que faz do pé descalço de um menino da
classe média motivo de atenção e circunstancial preocupação em uma cidade com
centenas de meninos descalços, brutalmente descalços? Por que, em uma cidade
com dezenas de famílias morando nas ruas, o pé superficialmente descalço do
Mateo chamava mais a atenção do que outros pés cuja ausência de sapatos é a
marca inocultável da barbárie que nega os mais elementares direitos humanos a
milhares de indivíduos (GENTILI 2003, p. 28).
As limitações percebidas no Ensino
Médio Integral em nada se diferem do denominado ensino médio “regular”, com a
particularidade que este ganha mais visibilidade por sua dimensão inovadora.
Para confirmar a preocupação com o aluno e com a formação integral do
adolescente/jovem, público alvo das escolas de ensino médio e efetivamente compreender
que:
Os
estudantes ocupam o lugar central da ação educativa da escola e são a sua
própria razão de ser. A escola só se justifica pela presença deles. Caso não
existissem, tampouco haveria necessidade de professores, de pessoal
técnico-administrativo, de dirigentes e da própria escola. Refletir sobre o
lugar do estudante no coração da comunidade escolar
(grifo nosso) é a necessidade por excelência do fortalecimento da missão,
dos ideais, objetivos e princípios educativos da escola (JULIATTO 2010, p; 22).
É com este objetivo que se apresentam
as pistas para reencontrar os “sapatos perdidos” ou evitar que se percam ao
longo do caminho. Os indicativos estão organizados de acordo com as urgências
apresentadas pelas escolas entrevistadas com a concordância do pesquisador
tendo por referência o marco pedagógico em questão.
1)
No que se refere a recursos humanos
a)
Formação
continuada dos professores, preferencialmente, nos seus aspectos humanos, psicológico,
motivacional e espiritual de modo a estimular neles a paixão pela educação e
por esta modalidade de escola;
b)
Contratação,
ao menos em tempo parcial (20 horas) de psicólogo escolar ou orientador
educacional com formação na área de ciências humanas, que:
b.1) Possa
desenvolver com alunos e pais temas relativos à convivência, relações humanas,
formação integral e espiritualidade;
b.2) Realizar
nas escolas acompanhamento personalizado com alunos e pais oriundos das
famílias mosaico[vi];
b.3) Fazer
acontecer com as famílias formação sobre a importância da permanência na escola
e do saudável adiamento do ingresso no mercado de trabalho de adolescentes e
jovens;
b.4) Realizar
com professores, gestão e equipe técnica encontros de formação com temas
relativos às questões humano-afetivas, psicológica e motivacional, ou seja, com
o SER do professor.
2) No que se refere a valorização do
profissional da educação
a) Garantir que os professores
habilitados em cada área temática possam ser aproveitados com dedicação
exclusiva e mesmo enquanto a grade curricular não se organiza nos quatro eixos
já consagrados[vii]
ministrem a totalidade das aulas das disciplinas daquela área;
b) Extinguir a divisão entre Aula
atividade a Aula de planejamento e implantar o que prevê a lei do piso com 33%
de horas atividades. Tal medida virá corrigir a distorção aplicada com a aula
de planejamento, por meio da qual o professor com duas horas de regência em
cada turma tem o mesmo número de aula planejamento daquele com cinco de
regência;
c) Garantir que o profissional
responsável pela convivência seja um professor da área de ciências humanas e
para este seja dado gratificação por função equiparada aos demais cargos com
função gratificada;
3) No que se refere às adequações
físicas das unidades escolares
a) Estabelecer prazos para que todas
as escolas com Ensino Médio Integral disponham de condições físicas adequadas
ao número de alunos que atende;
b) Capacitar os gestores dotando-os de
criatividade para encontrar soluções emergenciais no que se refere a otimização
dos espaços e dos recursos tecnológicos já disponíveis na escola.
Acredita-se que estas sugestões tenham
viabilidade imediata e possam reverter a tendência de redução dos alunos
constatada já no segundo ano do ensino médio bem como colaborar para que toda a
comunidade escolar tenham melhor êxito
na missão de formar sujeitos integrados e integradores dentro de uma visão
cooperativa do processo de educar.
NOTAS
[1]
Mestre em Educação, professor na rede estadual de Santa Catarina, lotado na
Escola de Educação Básica Adelina Régis – Videira – SC. Email: padreelcioalberton@hotmail.com
[ii]
Leia-se hora relógio de 60 minutos.
[iii]
Projeto Político Pedagógico
[iv]
Papel da Escola, Administrativa, Física, Metas ações e responsáveis,
[v]
Aviso por infrequência de aluno.
[vi]
Famílias que constituídas por pessoas vindas de diferentes experiências
relacionais. Pais e filhos de distintas relações de convivência. (Os meus
filhos, os teus filhos, os nossos filhos, e etc...).
[vii]
Linguagens e códigos e suas tecnologias, Ciências Humanas e suas tecnologias,
Ciências da natureza e suas tecnologias e Matemática.
REFERÊNCIAS
ALBERTON,
Elcio. Formação Mistagógica do Docente no
Contexto da Metamorfose Civilizatória. Dissertação (Mestrado), PUCPR, 2012.
ARROYO,
Miguel G. Imagens Quebradas – Trajetórias
e tempos de alunos e mestres. Petrópolis, Vozes, 2009.
ASSMAN,
Hugo. Reencantar a Educação – Rumo à sociedade
aprendente. Petrópolis, Vozes, 1998.
CNBB.
Texto base da Campanha da Fraternidade.
2013, Brasília, 2012.
FREIRE,
Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de
Janeiro, Paz e Terra, 2005.
GASPARIN,
João Luiz. Comênio ou da Arte de Ensinar
Tudo a Todos. Campinas, Papirus, 1994.
GENTILI,
Pablo & ALENCAR Chico. Educar na Esperança
em Tempos de Desencanto. Petrópolis, Vozes, 2003.
JULIATTO,
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