domingo, 18 de agosto de 2013

TEXTO COMPLETO DA APRESENTAÇÃO NO EDUCASUL

ENSINO MÉDIO INTEGRAL: UM NOVO OLHAR PARA A EDUCAÇÃO
Elcio Alberton
EEB Adelina Régis[1]

RESUMO: O artigo tem por objetivo descrever um marco teórico do Ensino Médio Integral considerando a mudança de época que se está vivendo e os desafios que ela apresenta para a educação, particularmente em Santa Catarina que ousa ver a educação com outro olhar. Indica o desafio de descobrir a experiência do prazer no processo ensino aprendizagem. E depois de ouvir educadores envolvidos na implantação do Ensino Médio Integral no Estado, sugere alternativas para que este formato de organização da educação alcance os objetivos a que se propõe, desenvolvendo também na comunidade educacional o sonho de uma escola reinventada, recriada e pautada pela colaboração, que pode gerar sujeitos inventivos, participativos e preparados para intervir e problematizar.

PALAVRAS CHAVES: Educação; Reencantar; Processo Cooperativo.

EIXO TEMÁTICO: EDUCAÇÃO INTEGRAL

INTRODUÇÃO
O propósito da temática em referência é refletir sobre o processo de solidificação do ensino médio integral no Estado de Santa Catarina, como uma das metas do governo em cumprimento ao que propôe o Plano Nacional de Educação para o decênio 2010 – 2020. A iniciativa implantada em todas as regiões do Estado pode ser reconhecida como o sonho de “Ensinar tudo a todos” tendo como preocupação central o sujeito envolvido no processo: o aluno. Este é a razão de ser da escola, da docência e de todo o sistema de ensinagem (ensino x aprendizagem), para o que se pode aplicar a máxima freiriana de que a educação se realiza mediatizada pelo mundo e pelas pessoas. Em outras palavras, o Ensino Médio Integral se constitui num caminho de universalização da educação, como já descreviam educadores desde o século XVI:
A preocupação da escola, portanto, deve ser com a totalidade do homem, pois: assim como no útero materno se formam os mesmos membros para todo o ser que há de tornar-se homem e para cada um se formam todos: as mãos os pés, e língua, etc., embora nem todos venham a serem artesãos, corredores, escrivães e oradores, assim também a escola deve ensinar a todos todas aquelas coisas que dizem respeito ao homem, embora, mais tarde, umas venham a ser mais úteis a uns e outras a outros (GASPARIN 1994, p.119).

A implantação dessa modalidade de educação vem ocorrendo simultaneamente ao que se denomina “mudança de época” e naturalmente se apresenta como um desafio comparável a invenção da escrita pelos fenícios na história antiga. Esta realidade pode ser descrita como um processo de metamorfose civilizatória de alcance antropológico que implica numa transição paradigmática:
No começo deste novo século, estamos rodeados de sistemas altamente complexos que cada vez mais tomam conta de quase todos os aspectos da nossa vida. Trata-se de complexidade que seríamos incapazes de imaginar a meros cinquenta anos – sistemas globais de comércio e troca de informações, uma comunicação global instantânea através de redes eletrônicas cada vez mais sofisticadas, empresas multinacionais gigantescas, fábricas automatizadas, etc. (CAPRA 2005, p. 110).
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Vivemos em um mundo globalizado no qual todos são afetados por tudo o que acontece em qualquer lugar. O acesso à rede mundial de computadores vem provocando uma revolução no modo de aprender, de pensar, de agir e de estabelecer relações. As novas tecnologias de informação e comunicação estão abolindo fronteiras e eliminando distâncias de modo que apontam para a transnacionalidade. Há pouco mais de três anos o mundo assistiu atônito ao surgimento da denominada “Primavera Árabe” que teve seu gene desenvolvido a partir das redes sociais. O Brasil reencontrou a força das ruas nas recentes manifestações que se desenrolaram no denominado movimento “Passe Livre”, o qual também teve origem e articulação na World Wide Web.
Neste contexto de complexidade é possível apresentar para a educação pelo menos duas alternativas. A primeira que consiste em olhar o mundo com encantamento como astronautas perplexos com o sentimento do primeiro homem a pisar na lua:
À noite, a terra parece mais mágica ainda do que durante o dia. Sempre há uma tempestade desabando em algum lugar. Os clarões dos relâmpagos, às vezes, cobrem até um quarto do continente. No começo, vemos isso como uma perturbação natural, a erupção de salpicos é um espetáculo majestoso (SULLIVAN 2004, p. 391).

Pode também ser entendida como uma crise semelhante ao que o povo de Israel descreve na caminhada rumo à terra prometida:
Ouça Israel: Hoje você está atravessando o rio Jordão para conquistar nações maiores e mais poderosas que você, cidades grandes e fortificadas até o céu. Os enacim são um povo forte e de grande estatura. Você os conhece, porque ouviu dizer: Quem poderia resistir aos filhos de Enac? Por isso ficará sabendo que Javé seu Deus vai atravessar na sua frente como fogo devorador (DEUTERONÔMIO 9, 1- 3).

Não se pode esconder que se trata de uma transformação paradigmática que aponta para o novo, que “nasce com dores de parto”, todavia, há que se compreender que estas são dores que apontam para a vida e não para a morte. Trata-se de um período de crise que precisa ser entendido como crisaldáliga e não como crise para a qual não se veja luz no fim do túnel:
Continuamos a fazer as mesmas perguntas fantasmas que, como se sabe ninguém responderá... Em que sonhos estamos metidos, entretidos com crises, ao fim das quais sairíamos do pesadelo? Quando tomaremos consciência que não há crise nem crises, mas mutação? Não mutação de uma sociedade, mas mutação brutal de uma civilização? Participamos de uma nova era, sem conseguir observá-la. Sem admitir e sem sequer perceber que a era anterior desapareceu (FORRESTER 1997, p. 7 -8).
No que se refere à educação, não se pode negar que mudanças significativas acontecem cotidianamente e transformam as relações institucionais e educativas bem como toda a comunidade nelas envolvida. Neste sentido a metamorfose que está ocorrendo em Santa Catarina com a implantação do Ensino Médio Integral se constitui na convicção de que outro mundo é possível e que se está vivendo os espasmos de uma véspera de parto.

REENCANTAR A EDUCAÇÃO
A expressão que intitula uma publicação de Hugo Assmann e que desafia os sistemas educacionais a transformar a escola num lugar gostoso implica a construção de um processo de inclusão social no qual as diferenças sejam valorizadas e compreendidas em condição de igualdade. Neste sentido é preciso compreender que:
Uma sociedade onde caibam todos só será possível num mundo no qual caibam muitos mundos. A educação se confronta com essa apaixonante tarefa: formar seres humanos para os quais a criatividade e a ternura sejam necessidades vivenciais e elementos definidores de sonhos de felicidade individual e social. Precisamos reintroduzir na escola o princípio de que toda a morfogênese do conhecimento tem algo a ver com a experiência do prazer (ASSMANN 2002, p. 29).

Para que esta situação aconteça há que se superar a compreensão da escola jesuítica na qual educar implicava enquadrar e repassar verdades e certezas. Mais do que nunca neste processo metamorfósico pelo qual passa a sociedade é preciso compreender que muito além do que palavras são os fatos que dão credibilidade às palavras. O sistema escolar excludente praticado por anos na educação brasileira estigmatizou a educação como uma coisa difícil, negativa, que é definida por Assmann como apartheid neuronal e que para sua superação há de se fazer reiniciar a construção da pedagogia da esperança que no dizer de Paulo Freire permitirá a construção de uma sociedade onde seja menos difícil de amar.
Esta transformação da educação pode ser entendida na perspectiva pedagógica descrita na seguinte oração: “Precisamos de algo mais inovador do que os debates confinados em esquemas ideológico-políticos que já se revelaram incapazes de gerar entusiasmo pela vocação de educar” (ASSMANN 2002, p. 109).
Reencantar a educação implica compreender o SER das pessoas envolvidas no complexo sistema de troca de saberes, mais do que esquemas didático-pedagógicos de ser professor ou de ser aluno. Para que isso se torne realidade implica conhecer as trajetórias humanas e os tempos dos educandos e dos educadores num mundo em que o papel exercido pelos pais e pela escola são agora representados com maior intensidade pelos meios de comunicação de massa.
Professores, pais, alunos, gestores e porque não a comunidade como um todo precisa conhecer melhor a trajetória de educandos e educadores. Claro está que esta condição implica ter maior clareza sobre a imagem humana da pessoa com quem vai sendo estabelecido o processo de ensino aprendizagem antes que a sua situação didático pedagógica.  Ir para a escola não é um processo de levar para o espaço educacional a fome de saber e de ensinar, mas de conviver e amar.
A escola precisa ir se construindo como um espaço no qual se encontra repostas para o imaginário relativo ao aprendizado colaborativo. A tarefa primordial da educação é construir seres humanos e para tal a convivência se constitui na melhor forma de aprendizado. Tal situação pode ser compreendida na máxima de Santo Agostinho: “Não aprendemos com palavras, mas com aquilo de ressoa interiormente”.
O processo de reencantamento da educação consiste muito mais do que ser especialista em conhecimento ser educador na totalidade da existência das pessoas que nela se relacionam. Há que se processar a educação desde a ótica da espiritualidade e da paixão que levem em conta questões relevantes do existir humano que não se enquadram em nenhuma grade curricular.
No mundo que se metamorfoseia, alunos e professores veem suas imagens quebradas, porque não dizer dilaceradas diante das grandes interrogações do existir humano. Experimenta-se uma vulnerabilidade na arte de aprender e ensinar que exige um acompanhamento em todo o tenso percurso formativo de alunos e professores.
A escola precisa dar respostas profissionais mediante um processo de aproximação entre educandos e educadores. Esta escolha implica reaprender a arte de educar que significa elaborar novas estratégias coletivas de estudo e de planejamento no qual a inovação escolar se dará muito mais pelas mudanças que devem ocorrer com os próprios docentes.
Nos últimos tempos tem se investido de modo significativo no que diz respeito aos aspectos profissionais da educação em detrimento do tempo para o ser humano. O reencantamento da escola implica superar o conceito e a prática de que a escola ensina e a família e outras instituições educam. O modo como se processa os investimentos na preparação didático-pedagógica e nos recursos físicos para a educação mantém a dualidade entre aprender e educar. Em síntese transformar a escola num lugar onde se vive a experiência do prazer implica pensar antes nos tempos humanos que tempos para os humanos.
Esta ótica aparece implícita no Parecer 05/2011 do Conselho Nacional de Educação homologado em dezembro de 2012. Este documento descreve com uma das necessidades para o pleno desenvolvimento do Brasil a expansão do Ensino Médio com qualidade e que tenha presente a formação da cidadania. Para que isto seja uma meta alcançável afirma que é necessário oferecer aos jovens novas perspectivas culturais capazes de expandir horizontes e dotá-los de autonomia intelectual.
Para isso fica também claro que a escola precisa ser repensada levando em consideração as condições dos recursos humanos articulando a formação inicial e continuada com uma visão sistêmica que compreenda os aspectos humanos, científicos, culturais e profissionais. Esta exigência decorre da compreensão que os jovens tem hoje demandas significativas as quais precisam estar contempladas no currículo e no projeto político pedagógico a fim de que seja garantido o acesso, permanência e sucesso no processo de aprendizagem e constituição da cidadania.
O parecer propõe vinte metas para o decênio e reconhece e afirma que:
“A educação é um processo de produção e socialização da cultura da vida, no qual se constroem, se mantém e se transformam conhecimentos e valores. ... A escola precisa, face às exigências da Educação Básica ser reinventada, ou seja, priorizar processos capazes de gerar sujeitos inventivos, participativos, cooperativos, preparados para diversificadas inserções sociais, políticas, culturais, laborais e, ao mesmo tempo capazes de intervir e problematizar as formas de produção e de vida. A escola tem diante de si o desafio de sua própria recriação, pois tudo o que a ela se refere constitui-se como invenção: os rituais escolares são invenções de um determinado contexto sociocultural em movimento”. (PARECER CNE/CEB Nº:5/2011, p. 9).

De alguma maneira esta situação está contemplada na proposta de implantação do Ensino Médio Integral em Santa Catarina, todavia, ainda persistem lacunas entre a proposta e a efetivação do sistema, como se verá a seguir.

A IMPLANTAÇÃO DO ENSINO MÉDIO INTEGRAL EM SANTA CATARINA
No ano de 2012 a Secretária de Estado da Educação abraçou uma meta ousada com a implantação, em 40 escolas do estado atingindo cerca de 15.000 alunos, da modalidade de ensino médio integral. O lançamento da proposta que incluiu encontro com professores e gestores de todas as regiões do estado prometia uma revolução no ensino médio que fosse capaz de favorecer aos jovens uma educação cidadã, responsável, crítica e participativa. Obviamente que esta modalidade exigiria igualmente pensar uma educação no sentido pleno da palavra e que fosse capaz de refletir e problematizar práticas já consagradas incorporando a estas outras múltiplas dimensões de realização humana. Tal modalidade de ensino teria em conta aspectos que foram historicamente tratados como periféricos, entre eles a dimensão emocional afetiva e a físico-corpórea.
Na apresentação do projeto para o governo de Santa Catarina e para a sociedade como um todo foram dadas as seguintes justificativas:
Nestas escolas haverá uma revitalização, adaptação e instalação de novos equipamentos para que todas tenham laboratórios de informática, biblioteca, laboratórios de ciências, sala para empreendedorismo, espaços esportivos, espaços de convivência, auditório e refeitório. A Diretora de Ensino Básico e Profissional, Gilda Mara Marcondes Penha, destaca que os professores que vão atuar nestas escolas terão dedicação exclusiva, haverá professores orientadores de laboratórios de biologia, física, química e de tecnologias, professor orientador de leitura nas bibliotecas, professor mediador para cuidar do relacionamento interpessoal no pátio das escolas, vigilantes, serventes e merendeiras. A intenção do projeto a ser implementado é que seja feito um amplo investimento em tecnologia. Para o ensino de informática cada escola deverá ter 12 salas com kit multimídia, notebook para professores e Assistentes Técnico-pedagógicos, lousas digitais, rede lógica, cobertura de wireless em toda área da escola (http://www.sed.sc.gov.br/secretaria/noticias/3126-ensino-medio-integral-deve-comecar-com-15-mil-alunos acesso em 02/07/2013).

Parte significativa destas questões didático-pedagógicas foi viabilizada nas escolas selecionadas como pioneiras nesta modalidade de educação. Pode-se afirmar que do ponto de vista de infraestrutura física as unidades escolares estariam aptas para oferecer para a comunidade escolar o acesso e permanência com qualidade no ambiente escolar em tempo integral desde o início de 2012. Apesar disso, pouco mais de um ano depois de implantado em terras Barriga Verde, pode-se aplicar à realidade do Ensino Médio Integral em Santa Catarina a parábola do sapato perdido:
Naquela manhã, decidi sair com Mateo, meu pequeno filho, para fazer algumas compras. As necessidades familiares eram, como quase sempre, ecléticas: fraldas, disquetes, o último livro de Ana Miranda e algumas garrafas de vinho argentino, difíceis de encontrar no Rio de Janeiro por um bom preço. Depois de algumas quadras, Teo dormiu tranquilamente em seu carrinho. Enquanto ele sonhava com alguma coisa provavelmente mágica, percebi que um de seus sapatos estava desamarrado e quase caindo. Decidi tirá-lo para evitar que, por um descuido, se perdesse. Poucos segundos depois uma elegante senhora me alertou: Cuidado! Seu filho perdeu um sapatinho”. “Obrigado – respondi – mas fui eu mesmo que tirei”. Alguns metros a frente, o porteiro de um edifício, de sorriso tímido e poucas palavras, moveu sua cabeça em direção ao pé de Mateo, dizendo em um tom grave: “o sapato”. Levantei o polegar em sinal de agradecimento, e continue meu caminho. Antes de chegar ao supermercado, dobrando a esquina da Avenida Nossa Senhora de Copacabana com a Rainha Elizabeth, um surfista igualmente preocupado com o destino do sapato de Teo disse “Ô mané, teu filho perdeu a sandália”. Ergui o dedo novamente e sorri agradecido, mas já sem tanto entusiasmo. No supermercado, as pessoas continuaram chamando minha atenção. A suposta perda do sapato de Mateo não deixava de gerar diferentes mostras de solidariedade e alerta... O Rio de janeiro é, como qualquer grande metrópole latino-americana, um território de profundos contrastes, onde o luxo e a miséria convivem de forma nem sempre harmoniosa. Meu incômodo era, talvez, injustificado: o que faz do pé descalço de um menino de classe média motivo de atenção e circunstancial preocupação em uma cidade com centenas de pés descalços, brutalmente descalços? (Gentili 2003, p.27 - 28).

A ousada iniciativa catarinense vem “perdendo sapatos” ao longo do processo. Voluntária ou involuntariamente aspectos como qualidade, permanência e construção da cidadania estão aquém do que se previa inicialmente. As adaptações aplicadas ao projeto ainda não estão sendo capazes de atender às características e necessidades de estudantes e professores em seus distintos contextos sociais e culturais com suas diferentes capacidades e interesses. Naturalmente, como na parábola do sapato, tais situações somente são observáveis porque se trata do “sapato de uma criança de classe média”. Dito em outras palavras, os limites observáveis na modalidade somente o são em virtude da magnitude do projeto e do alcance social que sua viabilização contempla.
Antes de sugerir algumas alternativas para a continuação e quiçá viabilizar o sonho de reinventar a educação em Santa Catarina é importante ter presente alguns dados de escolas onde o projeto está se desenvolvendo neste período. A pesquisa de campo atingiu 5 escolas nas gerências regionais de Caçador, Videira e Joaçaba respectivamente.

RELEVÂNCIA DO TEMA
Os desafios do ensino médio estão pedindo respostas urgentes, corajosas e audaciosas:
É preciso reconhecer que a escola se constitui no principal espaço de acesso ao conhecimento sistematizado, tal como ele foi produzido pela humanidade ao longo dos anos. Assegurar essa possibilidade, garantindo a oferta de educação de qualidade para toda a população, é crucial para que a possibilidade de transformação social seja concretizada. Neste sentido, a educação escolar, embora não tenha autonomia para, por si mesma, mudar a sociedade, é importante estratégia de transformação, uma vez que a inclusão na sociedade contemporânea não se dá sem o domínio de determinados conhecimentos que devem ser assegurados a todos (PARECER CNE/CEB Nº 5/2011).

Santa Catarina ousou romper estruturas, conceitos e a própria concepção do último ciclo da educação básica com a implantação do sistema de Ensino Médio Integral. De um modo jocoso se pode dizer que esta modalidade pode ser definida como “filho de classe média” no sentido que para ele se voltam os olhares atônitos, curiosos e preocupados de todos os que o espreitam faltando um dos sapatos.
A pesquisa de campo realizada em cinco escolas das GEREDs de Caçador, Videira e Joaçaba contemplou a participação da direção, do professor mediador de convivência e mais dois docentes. As respostas vieram confirmar que uma iniciativa desta magnitude envolve muito mais paixão e emoção do que propriamente recursos.[i]

ANÁLISE DAS ENTREVISTAS

As cinco escolas pesquisadas, no que se refere a números da clientela nos anos 2012/2013, tiveram um número maior de alunos e turmas iniciando o Ensino Médio Integral em 2013 na relação com o ano anterior. Em 2013 houve um crescimento de 8,57% no número de alunos matriculados na primeira série, enquanto que para o segundo ano houve um decréscimo de 51% no número de matrículas em 2013. Por este dado nota-se que a modalidade tem credibilidade inicial e perde fôlego ao longo do primeiro ano da sua implantação.
Conforme planejado o Estado fez investimentos relativos no que se refere aos espaços físicos das escolas contempladas com modalidade. Em todas as escolas houve melhorias em parte do espaço físico colocado a disposição dos alunos, na mesma proporção ocorreram melhorias na rede de tecnologias, sendo que 80% das escolas pesquisadas realizaram com recursos próprios a implantação de rede WIFI em todo o ambiente escolar. Os sapatos começam efetivamente a se perder quando se trata do investimento nos recursos humanos e, sobretudo na pessoa daqueles que estão envolvidos. Reforça-se a preocupação de que é muito mais necessário investir no “SER do educador” antes que no “Ser educador”.
Contrariando as expectativas iniciais nenhuma das escolas pesquisadas tem professores com dedicação exclusiva, sendo que alguns poucos casos podem contar com profissionais nesta condição. Todas as escolas tem um professor mediador de convivência, que na sua totalidade são pós-graduados, sendo que 45% deles são formados na Área de ciências humanas e suas tecnologias; 45% na área de linguagens e códigos; e 10% na área de ciências da natureza. Em todas as escolas atua somente um profissional na área sendo que algumas delas tem três ou quatro vezes mais alunos que nas escolas menores. Trata-se de um  professor que trabalha 40 horas semanais[ii] e para isso não recebe nenhuma gratificação de função.
Sob o ponto de vista de planejamento, todas as escolas dedicam tempo para esta atividade, o que não poderia ser diferente já que os professores tem na sua carga horária tempo específico para esta atividade. Embora não esteja clara a maneira como se realiza o planejamento nos casos em que a pesquisa foi respondida por mais de uma pessoa na escola há diferentes afirmações sobre planejamento por disciplina, por área temática ou no coletivo.
Tratando da formação continuada sobre planejamento coletivo inter e transdisciplinar as escolas afirmaram que mesmo com diferente carga horária houve algum momento de formação.  Já no que se refere á formação didático-pedagógica 75% das escolas disseram que não ocorreu, sendo ainda mais preocupante no tocante à formação psicológica e emocional para a qual em 80% das escolas não houve nenhum tipo de preparação. Em todos os itens quando o questionário foi respondido por diferentes pessoas e separadamente os números não foram convergentes e sempre apontaram índices menores que dos que foram considerados nesta análise.
Perguntadas sobre a adequação do PPP[iii] da escola para a modalidade de Ensino Médio integral, três escolas disseram ter realizado alteração em uma das dimensões[iv] Uma disse não ter feito nenhum estudo do PPP e uma afirmou ter readequado todo ele para esta nova realidade. Entretanto, quando solicitadas que apresentassem a nova redação da dimensão que foi readequada, nenhuma escola o fez. A mesma inconsistência aparece no grupo de pessoas envolvidas no processo de adequação do documento.
As consequências desta situação facilmente são percebidas nas demais respostas dadas para a entrevista, sobretudo no que se refere a metas ações e responsáveis. Todas as escolas pesquisadas tem diferentes atitudes em relação aos alunos faltosos, com problemas de disciplina ou baixo rendimento escolar. A emissão do APOIA[v] e o envio para o conselho tutelar varia entre três e sete dias consecutivos e só uma escola tem uma pessoa responsável para comunicar a direção sobre alunos faltosos.
Em relação aos alunos com problemas de disciplina ou baixo rendimento nenhuma escola tem clareza sobre qual a primeira atitude a ser tomada, todas assinalaram que chamam os pais e os alunos para conversar e nenhuma delas identificou a pessoa responsável para tratar do assunto com os envolvidos. Em duas escolas o orientador de convivência participa nos casos de indisciplina.
Não obstante a realidade apresentada pelas escolas 60% dos entrevistados diz que a implantação do Ensino Médio Integral em Santa Catarina alcança 70% dos objetivos a que se propõe e 40% julga que alcança 50% dos seus objetivos.
No quesito o que precisa ser repensado para a modalidade, 80% dos entrevistados julga ser necessário mais investimento nos espaços físicos e nos recursos pedagógicos e 100% aponta como deficitária ainda as questões relativas à formação continuada de professores, gestores e equipe técnica da escola.
Diante desta constatação fica evidente as duas maiores urgências que foram também apontadas pelos entrevistados: Reforma de espaços físicos e formação continuada. A entrevista também contemplou sugestões dos pesquisados os quais apresentaram: Organizar salas ambientes; Realizar avaliação interdisciplinar; Desenvolver estratégias criativas com a família; Incentivo para pesquisa e desenvolvimento juvenil; Integração com o sistema “S” para o manter o aluno em tempo integral; Preparar pessoas para a convivência pacífica; Maior tempo para convivência entre professores e alunos, incluindo aí o horário do almoço; Bolsa para os alunos a partir do segundo ano do ensino médio.

PISTAS PARA REENCONTRAR O “SAPATO”

Com base no marco teórico do que significa a etapa do ensino médio para o desenvolvimento integral do ser humano, tendo presente as questões de realização pessoal do aluno e do professor, considerando os dados levantados nas entrevistas e reafirmando a magnitude do projeto de Ensino Médio Integral em terras Barriga Verde, pode-se reafirmar que esta modalidade se compara ao “primo rico” ou “filho de classe média” cuja perda do sapato é percebida com maior facilidade em detrimento do ensino médio regular para quem se aplica a indignação do autor da parábola do sapato perdido:
Meu incômodo era talvez injustificado: o que faz do pé descalço de um menino da classe média motivo de atenção e circunstancial preocupação em uma cidade com centenas de meninos descalços, brutalmente descalços? Por que, em uma cidade com dezenas de famílias morando nas ruas, o pé superficialmente descalço do Mateo chamava mais a atenção do que outros pés cuja ausência de sapatos é a marca inocultável da barbárie que nega os mais elementares direitos humanos a milhares de indivíduos (GENTILI 2003, p. 28).

As limitações percebidas no Ensino Médio Integral em nada se diferem do denominado ensino médio “regular”, com a particularidade que este ganha mais visibilidade por sua dimensão inovadora. Para confirmar a preocupação com o aluno e com a formação integral do adolescente/jovem, público alvo das escolas de ensino médio e efetivamente compreender que:
Os estudantes ocupam o lugar central da ação educativa da escola e são a sua própria razão de ser. A escola só se justifica pela presença deles. Caso não existissem, tampouco haveria necessidade de professores, de pessoal técnico-administrativo, de dirigentes e da própria escola. Refletir sobre o lugar do estudante no coração da comunidade escolar (grifo nosso) é a necessidade por excelência do fortalecimento da missão, dos ideais, objetivos e princípios educativos da escola (JULIATTO 2010, p; 22).

É com este objetivo que se apresentam as pistas para reencontrar os “sapatos perdidos” ou evitar que se percam ao longo do caminho. Os indicativos estão organizados de acordo com as urgências apresentadas pelas escolas entrevistadas com a concordância do pesquisador tendo por referência o marco pedagógico em questão.
1)            No que se refere a recursos humanos
a)            Formação continuada dos professores, preferencialmente, nos seus aspectos humanos, psicológico, motivacional e espiritual de modo a estimular neles a paixão pela educação e por esta modalidade de escola;
b)            Contratação, ao menos em tempo parcial (20 horas) de psicólogo escolar ou orientador educacional com formação na área de ciências humanas, que:
b.1) Possa desenvolver com alunos e pais temas relativos à convivência, relações humanas, formação integral e  espiritualidade;
b.2) Realizar nas escolas acompanhamento personalizado com alunos e pais oriundos das famílias mosaico[vi];
b.3) Fazer acontecer com as famílias formação sobre a importância da permanência na escola e do saudável adiamento do ingresso no mercado de trabalho de adolescentes e jovens;
b.4) Realizar com professores, gestão e equipe técnica encontros de formação com temas relativos às questões humano-afetivas, psicológica e motivacional, ou seja, com o SER do professor.
2) No que se refere a valorização do profissional da educação
a) Garantir que os professores habilitados em cada área temática possam ser aproveitados com dedicação exclusiva e mesmo enquanto a grade curricular não se organiza nos quatro eixos já consagrados[vii] ministrem a totalidade das aulas das disciplinas daquela área;
b) Extinguir a divisão entre Aula atividade a Aula de planejamento e implantar o que prevê a lei do piso com 33% de horas atividades. Tal medida virá corrigir a distorção aplicada com a aula de planejamento, por meio da qual o professor com duas horas de regência em cada turma tem o mesmo número de aula planejamento daquele com cinco de regência;
c) Garantir que o profissional responsável pela convivência seja um professor da área de ciências humanas e para este seja dado gratificação por função equiparada aos demais cargos com função gratificada;
3) No que se refere às adequações físicas das unidades escolares
a) Estabelecer prazos para que todas as escolas com Ensino Médio Integral disponham de condições físicas adequadas ao número de alunos que atende;
b) Capacitar os gestores dotando-os de criatividade para encontrar soluções emergenciais no que se refere a otimização dos espaços e dos recursos tecnológicos já disponíveis na escola.
Acredita-se que estas sugestões tenham viabilidade imediata e possam reverter a tendência de redução dos alunos constatada já no segundo ano do ensino médio bem como colaborar para que toda a comunidade escolar tenham  melhor êxito na missão de formar sujeitos integrados e integradores dentro de uma visão cooperativa do processo de educar.

NOTAS


[1] Mestre em Educação, professor na rede estadual de Santa Catarina, lotado na Escola de Educação Básica Adelina Régis – Videira – SC. Email: padreelcioalberton@hotmail.com



[ii] Leia-se hora relógio de 60 minutos.
[iii] Projeto Político Pedagógico
[iv] Papel da Escola, Administrativa, Física, Metas ações e responsáveis,
[v] Aviso por infrequência de aluno.
[vi] Famílias que constituídas por pessoas vindas de diferentes experiências relacionais. Pais e filhos de distintas relações de convivência. (Os meus filhos, os teus filhos, os nossos filhos, e etc...).
[vii] Linguagens e códigos e suas tecnologias, Ciências Humanas e suas tecnologias, Ciências da natureza e suas tecnologias e Matemática.

REFERÊNCIAS
ALBERTON, Elcio. Formação Mistagógica do Docente no Contexto da Metamorfose Civilizatória. Dissertação (Mestrado), PUCPR, 2012.
ARROYO, Miguel G. Imagens Quebradas – Trajetórias e tempos de alunos e mestres. Petrópolis, Vozes, 2009.
ASSMAN, Hugo. Reencantar a Educação – Rumo à sociedade aprendente. Petrópolis, Vozes, 1998.
CNBB. Texto base da Campanha da Fraternidade. 2013, Brasília, 2012.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2005.
GASPARIN, João Luiz. Comênio ou da Arte de Ensinar Tudo a Todos. Campinas, Papirus, 1994.
GENTILI, Pablo & ALENCAR Chico. Educar na Esperança em Tempos de Desencanto. Petrópolis, Vozes, 2003.
JULIATTO, Clemente Ivo. O Horizonte da Educação. Curitiba, Champagnat, 2009.
_____. Parceiros Educadores – Estudantes, professores, colaboradores e dirigentes. Curitiba, Champagnat, 2010.
LUCK, Heloísa & et al. A Escola Participativa – O Trabalho do Gestor Escolar. Petrópolis, Vozes, 2011.
SABINO, Simone, O Afeto na Prática Pedagógica – e na formação docente – Uma presença silenciosa.  São Paulo, Paulinas, 2012.
SANTO AGOSTINHO. De Magistro. Petrópolis, Vozes, 2009.

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